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(título gentilmente inventado pelo Filipe Faria)

Quantas e quantas vezes os fãs de BD ouvem a frase "isso é coisa de miúdos"? Pode acontecer quando estamos sossegados a ler na esplanada ou quando queremos sugerir algo e convencer que BD é Arte como outra qualquer. Às vezes, até dentro dos fãs de BD, existe a eterna divisão entre os que gostam de super-heróis ou da Disney e os outros que consideram que, uma vez mais, "isso é coisa de miúdos". 

  


(título gentilmente inventado pelo Filipe Faria)

Quantas e quantas vezes os fãs de BD ouvem a frase "isso é coisa de miúdos"? Pode acontecer quando estamos sossegados a ler na esplanada ou quando queremos sugerir algo e convencer que BD é Arte como outra qualquer. Às vezes, até dentro dos fãs de BD, existe a eterna divisão entre os que gostam de super-heróis ou da Disney e os outros que consideram que, uma vez mais, "isso é coisa de miúdos". 

(título gentilmente inventado pelo Filipe Faria)

Quantas e quantas vezes os fãs de BD ouvem a frase "isso é coisa de miúdos"? Pode acontecer quando estamos sossegados a ler na esplanada ou quando queremos sugerir algo e convencer que BD é Arte como outra qualquer. Às vezes, até dentro dos fãs de BD, existe a eterna divisão entre os que gostam de super-heróis ou da Disney e os outros que consideram que, uma vez mais, "isso é coisa de miúdos". 

Antes de aparecer Neil Gaiman e o seu Sandman, houve um outro autor inglês. De nome Alan Moore, quando apareceu a escrever o Monstro do Pântano para a DC (Swamp Thing, em inglês), foi muito mais do que uma mera pedrada no charco. Foi uma derrocada que o esvaziou de água. Estávamos pouco ou nada habituados a este nível de escrita na BD. Moore não era só soberbo nos enredos, era-o principalmente nos diálogos e no restante texto. Estes não se resumiam à descrição floreada do que ocorria (ainda que também o fosse). Havia uma força filosófica e reflexiva que era inédita (pelo menos, aos meus jovens olhos da altura), e que eu reconhecia apenas de um outro tipo de Literatura. Era adulto, sem ser condescendente para o adolescente que eu ainda era.  Era complexo, sem ser imperscrutável. Até hoje, questiono-me se não é (junto com Promethea) o meu trabalho favorito deste escritor.

Desta vez abro uma excepção. Mas aviso que os motivos estão longe de serem nobres. Já há algum tempo que não me dedico, neste Blogue, a divulgar lançamentos de livros, a não ser se acompanhados de uma reflexão da minha autoria. Mas, para esta nova colecção da editora Levoir, a sair a partir do próximo sábado dia 15 de Fevereiro junto com o jornal O Público, tenho de fazer diferente. A razão é simples...


Tenho participado de uma brincadeira no Facebook: enumerar uma BD por dia até 2020. Começou há alguns meses, e agora dou-me ao trabalho de aqui a reproduzir. Mostro, hoje, as escolhas desta semana, com link na imagem para o texto que escrevi sobre o livro, ou um nhónhózinho, caso ainda não tenha falado dele.

E, na recta final, BDs e leituras para todos os gostos e uma coisinha especial.


Tenho participado de uma brincadeira no Facebook: enumerar uma BD por dia até 2020. Começou há alguns meses, mas só agora dou-me ao trabalho de aqui a reproduzir. Mostro, hoje, as escolhas desta semana, com link na imagem para o texto que escrevi sobre o livro, ou um nhónhózinho, caso ainda não tenha falado dele.

Esta semana temos sugestões para todos os gostos e sensibilidades e, no fundo, para quem só gosta de ler um bom livro.

Uma BD por dia, não sabe o bem que lhe fazia - até ao primeiro dia de 2020!



Tenho participado de uma brincadeira no Facebook: enumerar uma BD por dia até 2020. Começou há alguns meses, mas só agora dou-me ao trabalho de aqui a reproduzir. Mostro, hoje, as escolhas desta semana, com link na imagem para o texto que escrevi sobre o livro, ou um nhónhózinho, caso ainda não tenha falado dele.

Na semana do MOTELx, festival de cinema de terror de Lisboa, ficam umas sugestões de BDs desse lado tenebroso da literatura.

Batman, The Killing Joke - The Movie de Sam Liu

Pelo que se vai dizendo na internet, este filme tem sido alvo de alguma polémica, orquestrada pela comunidade que lê BD de super-heróis. Para os restantes, para as pessoas que não devoram nada da 9.ª Arte, que são poucas, ou de super-heróis, que são ainda menos, estes são assuntos que não interessam rigorosamente nada. 

A Banda Desenhada original de Batman, The Killing Joke é o equivalente a uma lenda. Escrita por um dos seus maiores escritores, Alan Moore, e desenhada por um dos seus mais prestigiados desenhistas, Brian Bolland, é o relato definitivo (?) de uma das maiores rivalidades da mitologia dos super-heróis: Batman e Joker. Hoje em dia, estas são figuras suficientemente conhecidas (por causa do Cinema) para que mesmo os que nada lêem de BD não sejam indiferentes aos nomes. A obra apareceu naquele que é considerado um dos períodos áureos desta Arte em geral e da produzida nos EUA em particular. Um período que iniciou-se no principio dos anos 80 pelas mãos deste mesmo escritor no seu Swamp Thing, continuado pelo mesmo (no seminal Watchmen) e por tantos outros autores, e acabado algures pelos fins da mesma década. Nesta época nasceu este Batman, The Killing Joke (publicado em Portugal pela Levoir - procurem-no no volume dedicado ao Joker na Colecção da DC Comics). Imediatamente transformou-se num clássico, pela arte dos criadores, pelo tema que abordou e a forma como o abordou. Uma visão madura e complexa da rivalidade e de como a mesma poderia ser vista pelo prisma da transversalidade, do transporte para o "mundo real". Resumindo, um livro do caraças!

A adaptação poderia seguir um de dois caminhos: fiel, palavra a palavra, estilo a estilo, enquadramento a enquadramento; desvio do original. O que este desenho animado fez foi as duas e aí reside parte do descontentamento (para esclarecer as coisas, eu gostei bastante do filme). É dividido em duas partes, uma primeira focada em Barbara Gordon, a Batgirl (a parte original do filme e a mais criticada), e uma segunda que é, então, a adaptação propriamente dita. Esta segunda segue de forma bastante fiel a obra, recriando enquadramentos, diálogos e mesmo o estilo de Brian Bolland, numa passagem fiel que tem tudo para agradar aos fãs e não só. Apercebemos-nos do gigantismo das palavras de Moore e dos desenhos de Bolland, que transformam-se em falas e movimentos sem soluços e com o alcance e a qualidade reservados às grandes obras de Arte. Chegamos a perguntar porque não foi isto feito mais cedo e para quando uma adaptação desta categoria para o Cinema em live-action. As vozes e interpretações são sublimes e acertadas. Tudo funciona. Não é, obviamente, a BD, mas é uma forma de a passar para a 7.ª Arte.

Para muitos, o problema reside na primeira parte, a que perde um pouco de tempo a tornar relevantes (para os que não lêem BD) os eventos que acontecem a Barbara Gordon (spoiler): ela é baleada pelo Joker e perde o uso da suas pernas. O "prólogo" é escrito por Brian Azzarello, conhecido dos leitores de BD por obras como 100 Bulllets ou uma recente e aclamada interpretação da Mulher-Maravilha. Azzarello é famoso por visões urbanas, noir e adultas dos personagens (seus ou de outros). É também conhecido por uma personalidade irascível, que raramente pede desculpas, dono de uma honestidade desarmante para uns e refrescante para outros (sou dos últimos e já fui alvo dela).  A sua leitura desta Barbara Gordon/Batgirl é tudo isso e muito mais. Acontece que a personagem, nesta leitura, exibe uma sexualidade activa e adulta (outros dirão outras coisas) e ocorre uma cena em particular que deverá ter deixado alguns desarmados e relutantes. Nada do que acontece choca-me e vejo-o apenas como o quebrar de algumas barreiras que muitos consideram invioláveis, as da natural revelação que os super-heróis são seres sexualmente activos (nada que Alan Moore, por exemplo, já não tenha feito). Claro que a interpretação de Azzarello não se cinge a isso e desenvolve a personalidade de Barbara para que nós, espectadores, sintamos o que o Joker acaba por lhe fazer. Para algo que é um desenho animado é, a meu ver, um passo em frente, principalmente para os habituados a uma dieta Disney (quem vê Anime sabe que existem outras gastronomias, para continuar na metáfora).

Este é, para mim, um filme interessante e uma interpretação válida da obra, acrescentando camadas que apenas enriquecem um dos personagens da história. É melhor que a BD? É claro que não, mas que adaptação é melhor que o original? (calma, eu sei que isto é uma discussão complexa e longa).

Alan Moore: O feiticeiro da BD


Alan Moore é um bruxo, autor e criador inglês, conhecido por obras que revolucionaram a BD, que criaram um antes e um depois (não me enganei, ele é mesmo bruxo). O escritor entrou na BD americana em 1983 pela porta da editora DC Comics e especificamente pelo título de terror Swamp Thing, na altura moribundo. O autor já possuía uma carreira profícua do outro lado do Atlântico, trabalhando para revistas de BD inglesas como a Warrior e a 2000 AD, ou em personagens como Captain Britain (da Marvel), Judge Dread e Miracleman. É nesta última que o génio de Moore começa a ascender ao Olimpo. É com Miracleman que a profunda modificação que afectará ao arquétipo do super-herói se inicia - há quem diga (sou um deles) que já é de tal forma sólida que pouco mais é acrescentado nas obras posteriores. Em Portugal, irá em breve ser publicada na íntegra num fabuloso e único volume pela editora G.Floy (é mais do que essencial... é Histórico). 

Na revista Warrior publicaria V For Vendetta (editado recentemente na colecção Novelas Gráficas II), uma análise Orwelliana do Reino Unido da era Thatcher que ajudaria a cimentar a sua reputação internacional como autor. Esta obra é considerada como um dos grandes momentos de Moore, conseguindo trazê-lo para a esfera do literário e capaz de agradar mesmo a aqueles não familiarizados com a narrativa da BD.


A entrada de Moore nos EUA é um testamento à sua capacidade de escrita e um digno percursor do que viria a acontecer. Seguindo o que já havia conseguido em Miracleman, em apenas 22 páginas da revista Swamp Thing consegue, de forma sucinta, tornar o personagem seu, reestruturando a essência do mesmo, anunciar um estilo idiossincrático de escrita e, em perfeita sintonia com o desenhista John Totleben (com quem tinha trabalhado em, sim, Miracleman), criar uma história de terror que foi muito para lá da intenção, inscrevendo-se no cânone como um relato que consegue tirar verdadeiro partido do género. Alan Moore tornou-se tão associado à personagem que, até hoje, os criadores que o sucederam ou lhe seguiram as pegadas ou, ao tentar superá-las, falharam redondamente. Se por acaso tivesse decidido ficar-se por aqui, já teria contribuído o suficiente para o avanço da arte, mas o que se lhe seguiu superou em muito as expectativas.

Tendo em consideração o sucesso e talento de Moore, a DC não só deu-lhe oportunidade para escrever alguns dos personagens mais sonantes da sua galeria ficcional (Super-Homem, por exemplo), como também deu carta-branca para recriar outras recém-adquiridos à falida editora Charlton. Essa recriação iria resultar na mais importante BD produzida na década de 80 e provavelmente aquela que mais reconhecimento açambarcou fora deste meio: Watchmen. Em 12 capítulos e junto com o desenhista Dave Gibbons, o autor cria uma narrativa multifacetada, onde não só reflecte sobre o papel dos super-heróis num professo “mundo real”, como também consegue projectar parte das ambições, medos e ansiedades do mundo da altura na tapeçaria que ambicionou tecer. Mas a metáfora não se limita ao tempo em que saiu (1986) nem tampouco ao universo hermético dos super-heróis. A reflexão estende-se ao panorama geopolítico e é alicerçada na psique e desejo humanos. Formalmente, Watchmen assenta numa perfeita simetria (existe mesmo um capítulo assim chamado), técnica e formato construídos de maneira excepcional e inédita na BD americana. A revista Time elegeu-a como umas das 100 obras maiores do século XX e foi recentemente lançada pela editora Levoir.


Moore ainda produziria mais uma marcante obra para a DC, Batman the Killing Joke, onde reinterpreta a loucura e a relação do herói com o seu maior inimigo, o Joker, mas diferenças criativas com os patrões da editora acabariam por ditar o fim da relação que, de futuro, seria sempre crispada. Aliás, um apanágio deste autor é a sua difícil ligação com a vertente económico-financeira do mundo editorial que, a seu ver, canibaliza a criação em função do lucro imediato, um desrespeito que sentiu na pele vezes sem conta, não só pelo lado da BD (a DC, por exemplo, decidiu recentemente criar prequelas dos Watchmen, em contracorrente com a opinião de Moore), como também nas adaptações cinematográficas que algumas das suas obras sofreram (sofrer é uma palavra mais que apropriada). 

As duas décadas que se seguiram fizeram a anterior parecer como uma pequena introdução ao trabalho do autor/criador/bruxo. Em 1993, Moore afirma-se como um mágico cerimonial, seguindo, entre outros, os preceitos da Cabala e do ocultista Aleister Crowley, e esta viragem na vida criadora do autor levou-o para a produção de obras cada vez mais geniais, algumas verdadeiramente reveladoras. Deste poço de criatividade sairiam importantes pedaços de literatura gráfica como From Hell (onde obstinadamente recria a mitologia de Jack o Estripador), a pornografia artística de Lost Girls (aqui relatando as aventuras sexuais de conhecidos personagens de contos de fada) ou League of Extrordinary Gentlemen (em que Moore reinterpreta alguns famosos personagens da literatura como membros de uma equipa governamental de super seres e que tem sido publicada em Portugal pela Devir).



No meio de obras pessoais ainda tem tempo para produzir outras mainstream, especificamente a criação de um universo de super-heróis para a editora Wildstorm. Entre várias destacamos duas: Top 10 e Promethea. Enquanto a primeira está virada para o puro entretenimento, misturando super-heróis e a série de TV Balada de Hill Street, a segunda é uma viagem metafísica e filosófica, onde verte todas as suas inclinações cabalísticas e esotéricas numa obra de 32 capítulos (pelos vistos um número místico), magistralmente desenhada e pintada por J. H. Williams III. 

Como referido, algumas das obras deste autor foram passadas para cinema, com graus de sucesso e qualidade subjectivos para nós, espectadores, mas todas excomungadas pelo seu criador que, inclusive, recusou-se a receber qualquer recompensa financeira ou a ver o nome inscrito nos créditos. Foram elas Watchmen, V for Vendeta (escrita nos anos ingleses de Moore), From Hell e League of Extrordinary Gentlemen. Objectivamente, nenhuma passou perto da genialidade da escrita de Moore ou da arte onde foram originalmente produzidas, mas From Hell e League of Extrordinary Gentlemen, especificamente, ficam para a história como tendo sido violações à intenção e espírito das obras que, muito sinceramente, nem se deram ao trabalho de emular.

Muito mais há a dizer acerca deste autor e esta pequena nota não pretende ser nada mais do que isso. Futuramente, iremos aqui dissecar e apresentar melhor algumas das mais importantes obras de Alan Moore. Até lá, façam-se um favor e não vejam o filme Watchmen, leiam a BD. 

O que vou lendo! - Trilogia Nemo de Alan Moore e Kevin O'Neill.


Apesar do nome, o herói desta nova trilogia do universo da Liga dos Cavalheiros Extraordinários, criada por Moore e O'Neill, não é sequer um herói, mas antes uma heroína. Mais precisamente a filha do famoso Capitão das 20 000 Léguas Submarinas de Júlio Verne, e que já tinha aparecido em volumes anteriores das aventuras da Liga. Para quem não sabe, o conceito por detrás destas histórias é simples e eficaz. Agarrando num arquétipo da Banda Desenhada, o da equipa com os maiores e melhores super-heróis (Liga da Justiça e Vingadores, para quem não está familiarizado), reúne sob um mesmo chapéu os mais conhecidos personagens da Literatura vitoriana, nomeadamente Mr. Hyde, Homem Invisível, Drácula, Minas de Salomão e, como já perceberam, também o Capitão Nemo. Já foram publicados vários volumes, na maior parte dos casos focados na equipa original, mas esta trilogia muda o olhar para a filha do famoso navegador indiano de submarinos. A fórmula é similar mas, pela primeira vez, Moore e O'Neill decidem concentrar a sua atenção e narrativa na personalidade desta mulher.

O resultado é menos robusto que os esforços anteriores mas, ainda assim, esta trilogia, que abarca a vida da personagem ao longo de quase um século, funciona bem. Somos levados para três momentos diferentes, com um arco único, o do confronto entre Nemo e uma deusa imortal. Moore e O'Neill concentram a atenção em três pontos geográficos e temporais diferentes, nomeadamente na Antárctica do início de século, na Alemanha da 2.ª Grande Guerra e na Amazónia da década de 70. Em qualquer trabalho de Moore as leituras não se cingem ao superficial, ainda que esta Liga acabe por ser das suas obras mais leves e "aventureiras", muito ao estilo pulp, que já tinha experimentado com Tom Strong. As referências são, na maior parte dos casos, meta-textuais, cada volume funcionando como um "onde está o Wally" da Literatura e da cultura Pop (até poderão ver o D'Artacão, não estou a brincar). mas, claro está, Moore não se refreia na ironia e sátira com episódios de um humor muito britânico, alusivo e nunca declarado. Gostei particularmente de uma pequena piada que acontece no terceiro volume, o passado em 1975, a nas mulheres que por lá aparecem. 

Apesar de serem três obras que, a meu ver, não estão no mesmo patamar que os anteriores volumes da Liga, não deixam de ser leituras acima da média. Que posso fazer? Moore e O'Neill habituaram-nos mal. 

BD é a certeza da mudança.

"Swamp Thing - And after the events of this day... what then? Surely... things must change?...
Deadman - Yeah, I guess so...after all, they usually do!"
The Saga of the Swamp Thing, número 50, escrito por Alan Moore.


Desenhos de Mike Zeck

Justiceiro vs Homem-Aranha


Capitão América

 

Surfista Prateado, Galactus e Thanos


Shang-Chi, O Mestre do Kung Fu


Batman e Homem-Aranha (capa de Web of Spider-Man, volume um, número 32)




BD é sempre agora.

"I've enjoyed our dance. You were perfect, and I'm going to miss you. But spacetime is eternal, with everything in it. And you and me are always here, always now. You and me are forever." - Promethea, número 32, escrito por Alan Moore.


Diana de Themyscira, aka Wonder Woman, aka Mulher-Maravilha por John Byrne









Miracleman - Olympus de Alan Moore e John Totleben

Esta semana, um actor com fortes credenciais geek, Simon Pegg, veio criticar a excesso de infantilização do Cinema, com os seus super-heróis e os seus franchises (leiam o artigo que é francamente interessante e, apesar de estar a falar um pouco contra mim, cheio de verdades). De facto, existe um apelo forte às gerações das décadas de 70 e 80 para recuperar a sensação dos brinquedos e dos livros que nos davam prazer na infância, uma busca hedonista de um período para sempre mais feliz (?). Um período com o qual, para muitos, é impossível competir. Não deveria, vou ser claro. Como para outros que partilham comigo o amor à Banda Desenhada e a tantas outras coisas que nos são caras, esse amor não deveria ofuscar a busca por narrativas complementares diferentes, que nos fazem sair do cobertor confortável. Deveremos defender sempre a nossa dama, claro, mas não às expensas de outras buscas.

Ora, esta procura da reprodução de quando éramos putos não é de todo descabida. Bem vistas as coisas, é qualquer coisa como uma droga que activa os centros de prazer certos, uma injecção de dopamina. Mas não tenhamos dúvidas que é muito difícil atingir este Nirvana, este El Dorado, este cobertor maternal. Que conjugação caótica de elementos e circunstâncias têm de ser conseguidos para aqui chegar? Que acaso e azar tem de ser orquestrado? Eu digo-vos o que tem sido para mim: Miracleman de Alan Moore. Que prazer imenso, que hedonismo puro, que abandono emocional e intelectual.  E, ainda por cima, vindo de um livro publicado há mais de 30 anos, cuja lenda já me tinha chegado aos ouvidos mas com a qual ainda não tinha tido o prazer de contactar. 

É possível que eu não consiga recomendar suficientemente bem este livro. É tão bom que dói. Principalmente pela intrínseca qualidade e talento de todos os envolvidos mas também por ser possível ver a BD dos 30 anos que se seguiram. Alan Moore e John Totleben seguiriam para Swamp Thing depois disto e, finalmente, percebo porquê. Percebo a idolatria de tantos em relação à obra que termina com este terceiro volume. Isto é um regresso à infância temperado pela maturidade, se é possível conciliar tanta coisa inconciliável.

A BD deu à luz o século.

"Do you understand how I have loved you? You'd have all been dead in a year or two from liver failure, men or childbirth. Dead. Forgotten. I have saved you. Do you understand that? I have made you safe from time and we are wed in legend, inextricable within eternity." - Jack, The Ripper, From Hell, escrito por Alan Moore

The Beguiling de Barry Windsor-Smith, Epic Illustrated número 16, Fevereiro de 1983.







Miracleman, the Red King Syndrome de Alan Moore, Alan Davis e Chuck Austen

Leiam aqui o post sobre o volume anterior de Miracleman.

É costume julgar obras de arte com os olhos subjectivos do tempo que passou entre o seu aparecimento e os dias do presente - qualquer que ele seja. Para amenizarmos o julgamento e a passagem dos anos muitas são as vezes em que dizemos "envelheceu bem". Miracleman é daquelas obras em que esta expressão não se aplica e (calma) não pelas razões que poderiam pensar. É sacrilégio afirmar que este livro "envelheceu". Pura e simplesmente parece que foi publicado hoje, ou melhor, amanhã. Em qualquer futuro da BD que possam imaginar.

Se sentirem-se mais confortáveis, podemos colocar-nos no papel de historiadores. Todos os "tiques" de linguagem "madura" na BD estado-unidense que viriam depois estão nesta obra sublinhados a negrito. Alan Moore, o escritor que não quer que o seu nome apareça nos créditos destas republicações da Marvel, é um dos grandes arquitectos dos últimos 30 anos dos Comics e Miracleman é o tiro da partida (eu procuro não esquecer que Will Eisner, Jim Steranko e Neil Gaiman também têm algo a dizer quanto a isto). Dificilmente encontrarão uma execução mais conseguida na arte de cada página  - posso conceder que os capítulos de Chuck Austen estejam abaixo da craveira de Gary Leach e Alan Davis, os outros dois desenhadores dos dois primeiros volumes. A qualidade é tanto mais impressionante quanto temos em consideração que estas histórias apareceram originalmente em capítulos de oito páginas na revista Warrior. A capacidade de síntese sem síntese de Moore é louvável. Cada capítulo de oito páginas é de tal forma executado, cada página tão bem estudada, que parece estarmos presente a uma sinfonia de duas horas.

Quanto à história propriamente dita, Moore continua a desconstrução do personagem principal e do seu universo, analisando cinicamente, com a sensibilidade pós-anos 70, as inclinações da mitologia dos super-heróis. Contudo, os mais desconfiados que não pensem estarmos defronte de apenas uma análise meta-textual do super-herói. Essa leitura existe e é ainda mais relevante  nos dias de hoje, com o fenómeno que estão a criar no Cinema e na cultura Pop. Mas Miracleman é mais forte e duradouro que essa contextualização temporal. Ou melhor, porque também se aplica e é relevante aos olhos dos dias de hoje transforma-se em algo ainda maior.

É impossível escapar à relevância mas, acima de tudo, à qualidade indiscutível desta  obra superior da BD. Como referido no primeiro parágrafo, não existe envelhecimento, apenas a cristalização atemporal. Miracleman poderia ser publicado hoje ou amanhã e ser melhor que 99% do que está disponível para leitura. Sim, para mim, é assim tão bom.

O que vou lendo! - League of Extraordinary Gentlemen Century por Alan Moore e Kevin O'Neill

Isto é Alan Moore light. Mas mesmo mesmo sendo leve não é de todo simples. Com este escritor nada é. 

Com LOEG: Century o autor continua a exploração da ideia de juntar personagens conhecidos da literatura dos finais do século XIX, princípios do XX, numa única equipa similar em motif à dos super-heróis. Contudo, apesar de ser fácil reconhecer nas roupagens e em alguma abordagem os cânones deste último tipo de literatura, assume de forma mais sublinhada a da primeira, a prosa. 

Os dois primeiros volumes não só relatavam a famosa origem deste grupo de personagens (desta encarnação, sublinhe-se, porque a Liga existe desde tempos imemoriais), como aventuras subsequentes. O sucesso e originalidade da premissa deu origem até a um (deplorável) filme, mas Moore, que é conhecido pelo forte antagonismo à face mais corporativa da actividade de publicação, retirou a LOEG das mãos da "vil" DC Comics e entrou pela porta aberta da Knockabout, onde agora explora, junto com o imprescindível desenhista Kevin O'Neill, aventuras mais recentes desta nova iteração da Liga.

Century passa-se em dois períodos distintos do século XX (1910 e 1969) e entra no nosso XXI, especificamente em 2009. A equipa é constituída pelos recorrentes Mina Murray (dos romances do Drácula) e Alan Quatermain (das Minas de São Salomão, obra bem conhecida dos portugueses), e pelo novo Orlando (de Virginia Woolf). No meio deste trio passeiam-se uma infinidade de outros personagens, todos ligados à literatura. A LOEG é um verdadeiro quebra-cabeças de "quem é este personagem?", "qual é este lugar?", algo que já era bem presente nos volumes anteriores e que continua. As referências passam despercebidas aos menos conhecedores (a mim passaram-me ao lado muitas), mas não em detrimento do apreciar da história como um todo. O enredo principal anda à volta de algo bastante comum em histórias de fantasia e de super-heróis, a da eventual ascensão de um anti-cristo, um ser demoníaco apocalíptico - existe mesmo uma referência deliciosa ao filme Rosemary's Baby de  Roman Polanski. A descoberta de quem é este anti-cristo é, ao mesmo tempo, vintage  Alan Moore e algo que irá irritar os fãs de um personagem da literatura muito famoso. 

LOEG continua com o mesmo nível de qualidade e densidade dos anteriores volumes, sublinhando porque este é dos melhores escritores de BD de todos os tempos. Não é do nível de profundidade dramática e conceptual que, por exemplo, From Hell ou Promethea, mas faz ansiar pelo regresso não só de outros volumes deste conceito como também de algo bastante saudoso do mesmo autor: Top 10.

Miracleman, A Dream of Flying de Alan Moore, Garry Leach e Alan Davis

Em relação a este livro não me vou poupar a elogios. 

Nunca tinha tido o prazer de ler esta obra. Não tinha tido sorte ou a persistência para encontrar algo que (diziam-me) ser muito difícil de encontrar. Todos os fãs conhecem os impedimentos legais que impossibilitaram que fosse compilada mais cedo. Os que não conhecem também não interessa conhecer. O que interessa é irem já a uma loja de BD em Portugal ou a uma qualquer loja online e comprarem este primeiro volume daquela que será a primeira coleção completa de Miracleman. Garanto-vos que não só têm história de BD nas vossas mãos, como algo de qualidade impar.

Já tinha lido e relido milhares de opiniões acerca da revolução que esta obra terá representado na BD, principalmente a de língua inglesa. Mas, para mim, essas opiniões não passavam disso mesmo. Agora, depois de ter lido apenas o primeiro volume, posso dizer que concordo. Miracleman foi publicado pela primeira vez numa revista de antologia inglesa de nome Warrior nos inícios da década de 80 e, à altura, era o ressurgir de um velho personagem da década de 50 que fazia parte integrante do imaginário dos agora adultos ingleses. O personagem tem uma história conturbada. Nos idos do pós-Grande Guerra eram publicadas no Reino Unido as aventuras do Capitão Marvel, um super-herói americano com poderes muito semelhantes ao Super-Homem, excepto pelo facto do seu alter-ego ser um miúdo pré-adolescente de nome Billy Batson, que quando gritava a palavra Shazam se transformava no poderoso super-herói - ou seja, num seu eu adulto. Exatamente pelas semelhanças com o Super-Homem a revista seria cancelada nos EUA e, claro, também no Reino Unido. Não querendo perder o dinheiro que advinha de vendas bastantes apreciáveis, os ingleses criaram um personagem, Marvelman, que basicamente era uma versão britânica do Capitão Marvel, com algumas modificações na origem (agora mais cientifica e menos mística), no uniforme e na palavra que gritava: Kimota (atomik ao contrário).  O personagem seria um enorme sucesso durante uns poucos anos, até ao momento em que foi permitido importar revistas originais dos super-heróis americanos, da Marvel e DC, e o Marvelman acabaria por cair no esquecimento. Isto até a década de 80, quando um editor com boas recordações resolve entregar o personagem às mãos do génio louco que já era Alan Moore - sim, o responsável pelos Watchmen, Swamp Thing e o "amadurecimento" da BD americana.

Acontece que estes dois trabalhos do autor já estavam presentes, de uma forma ou outra, neste brilhante Miracleman. Por um lado, a desconstrução do arquétipo do super-herói que o criador depois aperfeiçoou nos Watchmen. Moore agarra em toda a mitologia que faz funcionar este personagem em particular e os super-heróis de uma forma geral, e torce-a, vira-a de cabeça para baixo, parte-a aos bocados, espalha-a em cima da mesa e volta a montá-la - mas com uma forma completamente diferente. Analisa cada pormenor com clareza de espírito mas sem (nunca) perder o deslumbramento pela arte. Por outro lado, reinventa o personagem de uma forma que tornar-se-ia banal nos tempos que se seguiriam: o molde "tudo o que conhecem acerca do personagem e universo estava errado". Ele voltaria a fazer isso - com resultados igualmente maravilhosos - no seu Swamp Thing, mas é aqui que aperfeiçoa a técnica, torna-a natural.  Nada é  forçado na escrita de Moore. Mesmo com seis a oito páginas por cada capitulo (não esquecer que era uma revista de antologia), o escritor consegue algo que parece tão difícil nos dias de hoje: fluidez. Nada parece forçado ou rápido demais. Depois existem as suas capacidades como tecedor de palavras. Numa fase em que a BD parece se resumir aos diálogos entre personagens (ao estilo do cinema e que o próprio Moore já utiliza), aqui há espaço para texto descritivo, refletido, filosófico e poético. O que se passa no quadradinho é complementado pelo texto e não descrito pelo mesmo. A prosa ao serviço do desenho. 

E por falar em desenho? Que dizer do trabalho de Leach e Davis que estão a par da fabulosa escrita e imaginação de Moore. Uma imaginação frenética, profunda e intemporal. Tudo o que aqui se lê não tem sabor de velho, tem de contemporâneo. Isso porque para aqueles que têm o prazer de acompanhar esta Arte há tanto anos irão reconhecer em Miracleman uma revolução.  Um passo que se deu em frente e cujas pegadas estão de tal forma desenhadas em pedra que é impossível não as seguir. 

Obrigado Marvel e Neil Gaiman por nos terem devolvido Miracleman. Por este coleção, pelas novas cores que nos entregam traços velhos e palavras intemporais

PS - Não sei se repararam mas, entre as décadas de 50 e 80, o personagem mudou de nome Marvel para Miracle. Um outro problema de direitos de autor sobre a palavra Marvel (adivinhem de quem) obrigou à mudança. 

Colecção DC Levoir/Público – 5.º Volume: Joker

(Prometo tentar informar aos menos conhecedores de BD acerca da acessibilidade desta colecção, ou seja se é fácil ou não ler sem saber muito mais coisas)

Grau de acessibilidade: Fácil

Sai amanhã, Quinta-feira, dia 8 de Agosto, junto com Público e custa 8,9€

O que podem ter nas mãos, com este quinto volume da coleção da Levoir/Público, é um clássico da literatura.

Estamos a falar da história pela qual todas as outras que protagonizaram o Joker e o Batman seriam julgadas - Batman, the Killing Joke. Publicada em 1988, reúne dois titãs, Alan Moore na escrita e Brian Bolland nos desenhos, naquele que seria o derradeiro contributo do primeiro às ordens da DC Comics (Alan Moore saíria acusando a editora de censura). Este conto, que define o termo qualidade nesta arte, relata um dos múltiplos confrontos entre estes dois personagens maiores da cultura popular do século XX, mas com complexidade psicológica e narrativa poucas vezes vista até à data. Este é o Joker de Alan Moore, não apenas o palhaço psicopata genocida, um vulcão de comportamentos caóticos, mas antes um acutilante comentador da sociedade, um pivot que, do alto da sua superioridade intelectual, tece diatribes julgadas insanas pelos comuns mortais, mas a quem a eternidade e a posteridade darão razão. Este Joker, à falta de melhor termo, é o super-vilão assassino filósofo e o Batman apenas vive no seu mundo.

O conto de Brian Azzarello (escrita) e Lee Bremejo (desenhos) é de 2008, e conta uma perspectiva diferente de Joker mas, ainda assim, emersa nas idiossincrasias dos autores e não apenas na imagem popular associada ao vilão. Este Joker é o complexo criminoso herdeiro de Moore e também um agente noir (como convém à escrita de Azzarello) da cidade rei desse estilo literário, Gotham City. Esta é uma história exclusiva de Joker e, a título de curiosidade, utiliza o mesmo efeito dramático dos lábios rasgados que Heath Ledger e Christopher Nolan utilizaram no seu Dark Knight. Azzarello afirmou, em entrevista, que a decisão de utilizar esse truque visual poderoso nada teve a ver com o filme, antes foi uma feliz coincidência (deixo ao critério de cada um tecer a sua versão deste acontecimento).

Nota final – Eu não partilho da opinião que se tem de saber tudo para acompanhar bem uma história. Parte da “magia” da BD americana reside na descoberta posterior, na paciente reconstrução do puzzle. Mas para aqueles que não têm tempo e paciência aqui fica este meu pequeno esforço.

O Amuleto de Roberto Bolaño


Enquanto o mundo lá fora afogava-se, fechei-me no cubículo de minha casa onde os livros entornavam-se do chão até ao teto, o barulho ensurdecedor das vagas tremia nas paredes que se rachavam por todas as diagonais e por todos os recortes e, mesmo assim, a casa aguentava-se, como um monólito pré-histórico, um menir.

As ruas da cidade permaneceram submersas durante semanas e, enquanto a pouca comida e a pouca água aguentaram o meu corpo, os livros que retirava, um a um, despacharam as horas dos dias, despejadas para o passado pelas palavras dos que amo e pelas ações daqueles que acharam por bem escrever. Comecei pelo primeiro livro que me deram e percorri cronologicamente (a minha imaginação nunca foi tão boa como a daqueles que admirava) até quando pude, dei graças a cada partícula de pó acumulada nos volumes amontoados e respigados pela minha obsessão. Comecei pelas aves (que começo auspicioso, digo eu, voar com as asas catalogadas) e continuei me entretendo com as já antigas palavras de Homero, de Edith Hamilton, que o seguiu nos mitos e nos heróis e nos deuses, de Tolkien, que me lembro tão bem pelo filme mas, acima de tudo, pelas palavras.

Reli cada teia pendurada nos prédios de Nova Iorque, cada capa vermelha nos céus da cidade imaginada de Metrópolis, cada rua suja da gótica do homem de negro, do deus Byrne que de tantas e tantas páginas preencheu o vazio, do mestre Gaiman que com tantas e tantas palavras preencheu o nada.

No final ainda imaginei como seria bom o mundo literário ter nas suas prateleiras uma outra saga do Sandman escrita pelo Saramago, uma história dos múltiplos universos da DC pelo Pessoa ou 10 anos do Super-Homem escritos por Alan Moore.

O Amuleto de Bolaño é o meu primeiro livro deste autor. Conta a história da mãe de todos os poetas mexicanos, de como viveu fechada numa casa de banho da Faculdade de Filosofia e Letras da Cidade do México em 1968, de como nessa clausura reviveu o passado que aconteceu e o que não aconteceu, de como previu o que ainda iria viver ou do que ainda poderia viver, caso sobrevivesse.