Batman, The Killing Joke - The Movie de Sam Liu

Pelo que se vai dizendo na internet, este filme tem sido alvo de alguma polémica, orquestrada pela comunidade que lê BD de super-heróis. Para os restantes, para as pessoas que não devoram nada da 9.ª Arte, que são poucas, ou de super-heróis, que são ainda menos, estes são assuntos que não interessam rigorosamente nada. 

A Banda Desenhada original de Batman, The Killing Joke é o equivalente a uma lenda. Escrita por um dos seus maiores escritores, Alan Moore, e desenhada por um dos seus mais prestigiados desenhistas, Brian Bolland, é o relato definitivo (?) de uma das maiores rivalidades da mitologia dos super-heróis: Batman e Joker. Hoje em dia, estas são figuras suficientemente conhecidas (por causa do Cinema) para que mesmo os que nada lêem de BD não sejam indiferentes aos nomes. A obra apareceu naquele que é considerado um dos períodos áureos desta Arte em geral e da produzida nos EUA em particular. Um período que iniciou-se no principio dos anos 80 pelas mãos deste mesmo escritor no seu Swamp Thing, continuado pelo mesmo (no seminal Watchmen) e por tantos outros autores, e acabado algures pelos fins da mesma década. Nesta época nasceu este Batman, The Killing Joke (publicado em Portugal pela Levoir - procurem-no no volume dedicado ao Joker na Colecção da DC Comics). Imediatamente transformou-se num clássico, pela arte dos criadores, pelo tema que abordou e a forma como o abordou. Uma visão madura e complexa da rivalidade e de como a mesma poderia ser vista pelo prisma da transversalidade, do transporte para o "mundo real". Resumindo, um livro do caraças!

A adaptação poderia seguir um de dois caminhos: fiel, palavra a palavra, estilo a estilo, enquadramento a enquadramento; desvio do original. O que este desenho animado fez foi as duas e aí reside parte do descontentamento (para esclarecer as coisas, eu gostei bastante do filme). É dividido em duas partes, uma primeira focada em Barbara Gordon, a Batgirl (a parte original do filme e a mais criticada), e uma segunda que é, então, a adaptação propriamente dita. Esta segunda segue de forma bastante fiel a obra, recriando enquadramentos, diálogos e mesmo o estilo de Brian Bolland, numa passagem fiel que tem tudo para agradar aos fãs e não só. Apercebemos-nos do gigantismo das palavras de Moore e dos desenhos de Bolland, que transformam-se em falas e movimentos sem soluços e com o alcance e a qualidade reservados às grandes obras de Arte. Chegamos a perguntar porque não foi isto feito mais cedo e para quando uma adaptação desta categoria para o Cinema em live-action. As vozes e interpretações são sublimes e acertadas. Tudo funciona. Não é, obviamente, a BD, mas é uma forma de a passar para a 7.ª Arte.

Para muitos, o problema reside na primeira parte, a que perde um pouco de tempo a tornar relevantes (para os que não lêem BD) os eventos que acontecem a Barbara Gordon (spoiler): ela é baleada pelo Joker e perde o uso da suas pernas. O "prólogo" é escrito por Brian Azzarello, conhecido dos leitores de BD por obras como 100 Bulllets ou uma recente e aclamada interpretação da Mulher-Maravilha. Azzarello é famoso por visões urbanas, noir e adultas dos personagens (seus ou de outros). É também conhecido por uma personalidade irascível, que raramente pede desculpas, dono de uma honestidade desarmante para uns e refrescante para outros (sou dos últimos e já fui alvo dela).  A sua leitura desta Barbara Gordon/Batgirl é tudo isso e muito mais. Acontece que a personagem, nesta leitura, exibe uma sexualidade activa e adulta (outros dirão outras coisas) e ocorre uma cena em particular que deverá ter deixado alguns desarmados e relutantes. Nada do que acontece choca-me e vejo-o apenas como o quebrar de algumas barreiras que muitos consideram invioláveis, as da natural revelação que os super-heróis são seres sexualmente activos (nada que Alan Moore, por exemplo, já não tenha feito). Claro que a interpretação de Azzarello não se cinge a isso e desenvolve a personalidade de Barbara para que nós, espectadores, sintamos o que o Joker acaba por lhe fazer. Para algo que é um desenho animado é, a meu ver, um passo em frente, principalmente para os habituados a uma dieta Disney (quem vê Anime sabe que existem outras gastronomias, para continuar na metáfora).

Este é, para mim, um filme interessante e uma interpretação válida da obra, acrescentando camadas que apenas enriquecem um dos personagens da história. É melhor que a BD? É claro que não, mas que adaptação é melhor que o original? (calma, eu sei que isto é uma discussão complexa e longa).

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