Miracleman, the Red King Syndrome de Alan Moore, Alan Davis e Chuck Austen

Leiam aqui o post sobre o volume anterior de Miracleman.

É costume julgar obras de arte com os olhos subjectivos do tempo que passou entre o seu aparecimento e os dias do presente - qualquer que ele seja. Para amenizarmos o julgamento e a passagem dos anos muitas são as vezes em que dizemos "envelheceu bem". Miracleman é daquelas obras em que esta expressão não se aplica e (calma) não pelas razões que poderiam pensar. É sacrilégio afirmar que este livro "envelheceu". Pura e simplesmente parece que foi publicado hoje, ou melhor, amanhã. Em qualquer futuro da BD que possam imaginar.

Se sentirem-se mais confortáveis, podemos colocar-nos no papel de historiadores. Todos os "tiques" de linguagem "madura" na BD estado-unidense que viriam depois estão nesta obra sublinhados a negrito. Alan Moore, o escritor que não quer que o seu nome apareça nos créditos destas republicações da Marvel, é um dos grandes arquitectos dos últimos 30 anos dos Comics e Miracleman é o tiro da partida (eu procuro não esquecer que Will Eisner, Jim Steranko e Neil Gaiman também têm algo a dizer quanto a isto). Dificilmente encontrarão uma execução mais conseguida na arte de cada página  - posso conceder que os capítulos de Chuck Austen estejam abaixo da craveira de Gary Leach e Alan Davis, os outros dois desenhadores dos dois primeiros volumes. A qualidade é tanto mais impressionante quanto temos em consideração que estas histórias apareceram originalmente em capítulos de oito páginas na revista Warrior. A capacidade de síntese sem síntese de Moore é louvável. Cada capítulo de oito páginas é de tal forma executado, cada página tão bem estudada, que parece estarmos presente a uma sinfonia de duas horas.

Quanto à história propriamente dita, Moore continua a desconstrução do personagem principal e do seu universo, analisando cinicamente, com a sensibilidade pós-anos 70, as inclinações da mitologia dos super-heróis. Contudo, os mais desconfiados que não pensem estarmos defronte de apenas uma análise meta-textual do super-herói. Essa leitura existe e é ainda mais relevante  nos dias de hoje, com o fenómeno que estão a criar no Cinema e na cultura Pop. Mas Miracleman é mais forte e duradouro que essa contextualização temporal. Ou melhor, porque também se aplica e é relevante aos olhos dos dias de hoje transforma-se em algo ainda maior.

É impossível escapar à relevância mas, acima de tudo, à qualidade indiscutível desta  obra superior da BD. Como referido no primeiro parágrafo, não existe envelhecimento, apenas a cristalização atemporal. Miracleman poderia ser publicado hoje ou amanhã e ser melhor que 99% do que está disponível para leitura. Sim, para mim, é assim tão bom.