Alan Moore: O feiticeiro da BD


Alan Moore é um bruxo, autor e criador inglês, conhecido por obras que revolucionaram a BD, que criaram um antes e um depois (não me enganei, ele é mesmo bruxo). O escritor entrou na BD americana em 1983 pela porta da editora DC Comics e especificamente pelo título de terror Swamp Thing, na altura moribundo. O autor já possuía uma carreira profícua do outro lado do Atlântico, trabalhando para revistas de BD inglesas como a Warrior e a 2000 AD, ou em personagens como Captain Britain (da Marvel), Judge Dread e Miracleman. É nesta última que o génio de Moore começa a ascender ao Olimpo. É com Miracleman que a profunda modificação que afectará ao arquétipo do super-herói se inicia - há quem diga (sou um deles) que já é de tal forma sólida que pouco mais é acrescentado nas obras posteriores. Em Portugal, irá em breve ser publicada na íntegra num fabuloso e único volume pela editora G.Floy (é mais do que essencial... é Histórico). 

Na revista Warrior publicaria V For Vendetta (editado recentemente na colecção Novelas Gráficas II), uma análise Orwelliana do Reino Unido da era Thatcher que ajudaria a cimentar a sua reputação internacional como autor. Esta obra é considerada como um dos grandes momentos de Moore, conseguindo trazê-lo para a esfera do literário e capaz de agradar mesmo a aqueles não familiarizados com a narrativa da BD.


A entrada de Moore nos EUA é um testamento à sua capacidade de escrita e um digno percursor do que viria a acontecer. Seguindo o que já havia conseguido em Miracleman, em apenas 22 páginas da revista Swamp Thing consegue, de forma sucinta, tornar o personagem seu, reestruturando a essência do mesmo, anunciar um estilo idiossincrático de escrita e, em perfeita sintonia com o desenhista John Totleben (com quem tinha trabalhado em, sim, Miracleman), criar uma história de terror que foi muito para lá da intenção, inscrevendo-se no cânone como um relato que consegue tirar verdadeiro partido do género. Alan Moore tornou-se tão associado à personagem que, até hoje, os criadores que o sucederam ou lhe seguiram as pegadas ou, ao tentar superá-las, falharam redondamente. Se por acaso tivesse decidido ficar-se por aqui, já teria contribuído o suficiente para o avanço da arte, mas o que se lhe seguiu superou em muito as expectativas.

Tendo em consideração o sucesso e talento de Moore, a DC não só deu-lhe oportunidade para escrever alguns dos personagens mais sonantes da sua galeria ficcional (Super-Homem, por exemplo), como também deu carta-branca para recriar outras recém-adquiridos à falida editora Charlton. Essa recriação iria resultar na mais importante BD produzida na década de 80 e provavelmente aquela que mais reconhecimento açambarcou fora deste meio: Watchmen. Em 12 capítulos e junto com o desenhista Dave Gibbons, o autor cria uma narrativa multifacetada, onde não só reflecte sobre o papel dos super-heróis num professo “mundo real”, como também consegue projectar parte das ambições, medos e ansiedades do mundo da altura na tapeçaria que ambicionou tecer. Mas a metáfora não se limita ao tempo em que saiu (1986) nem tampouco ao universo hermético dos super-heróis. A reflexão estende-se ao panorama geopolítico e é alicerçada na psique e desejo humanos. Formalmente, Watchmen assenta numa perfeita simetria (existe mesmo um capítulo assim chamado), técnica e formato construídos de maneira excepcional e inédita na BD americana. A revista Time elegeu-a como umas das 100 obras maiores do século XX e foi recentemente lançada pela editora Levoir.


Moore ainda produziria mais uma marcante obra para a DC, Batman the Killing Joke, onde reinterpreta a loucura e a relação do herói com o seu maior inimigo, o Joker, mas diferenças criativas com os patrões da editora acabariam por ditar o fim da relação que, de futuro, seria sempre crispada. Aliás, um apanágio deste autor é a sua difícil ligação com a vertente económico-financeira do mundo editorial que, a seu ver, canibaliza a criação em função do lucro imediato, um desrespeito que sentiu na pele vezes sem conta, não só pelo lado da BD (a DC, por exemplo, decidiu recentemente criar prequelas dos Watchmen, em contracorrente com a opinião de Moore), como também nas adaptações cinematográficas que algumas das suas obras sofreram (sofrer é uma palavra mais que apropriada). 

As duas décadas que se seguiram fizeram a anterior parecer como uma pequena introdução ao trabalho do autor/criador/bruxo. Em 1993, Moore afirma-se como um mágico cerimonial, seguindo, entre outros, os preceitos da Cabala e do ocultista Aleister Crowley, e esta viragem na vida criadora do autor levou-o para a produção de obras cada vez mais geniais, algumas verdadeiramente reveladoras. Deste poço de criatividade sairiam importantes pedaços de literatura gráfica como From Hell (onde obstinadamente recria a mitologia de Jack o Estripador), a pornografia artística de Lost Girls (aqui relatando as aventuras sexuais de conhecidos personagens de contos de fada) ou League of Extrordinary Gentlemen (em que Moore reinterpreta alguns famosos personagens da literatura como membros de uma equipa governamental de super seres e que tem sido publicada em Portugal pela Devir).



No meio de obras pessoais ainda tem tempo para produzir outras mainstream, especificamente a criação de um universo de super-heróis para a editora Wildstorm. Entre várias destacamos duas: Top 10 e Promethea. Enquanto a primeira está virada para o puro entretenimento, misturando super-heróis e a série de TV Balada de Hill Street, a segunda é uma viagem metafísica e filosófica, onde verte todas as suas inclinações cabalísticas e esotéricas numa obra de 32 capítulos (pelos vistos um número místico), magistralmente desenhada e pintada por J. H. Williams III. 

Como referido, algumas das obras deste autor foram passadas para cinema, com graus de sucesso e qualidade subjectivos para nós, espectadores, mas todas excomungadas pelo seu criador que, inclusive, recusou-se a receber qualquer recompensa financeira ou a ver o nome inscrito nos créditos. Foram elas Watchmen, V for Vendeta (escrita nos anos ingleses de Moore), From Hell e League of Extrordinary Gentlemen. Objectivamente, nenhuma passou perto da genialidade da escrita de Moore ou da arte onde foram originalmente produzidas, mas From Hell e League of Extrordinary Gentlemen, especificamente, ficam para a história como tendo sido violações à intenção e espírito das obras que, muito sinceramente, nem se deram ao trabalho de emular.

Muito mais há a dizer acerca deste autor e esta pequena nota não pretende ser nada mais do que isso. Futuramente, iremos aqui dissecar e apresentar melhor algumas das mais importantes obras de Alan Moore. Até lá, façam-se um favor e não vejam o filme Watchmen, leiam a BD. 

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