Presas Fáceis de Miguelanxo Prado

Sempre achei que existe uma ligação entre a Estatística e a Arte. Será apenas na minha cabeça e, mesmo nela, é labiríntica. A Estatística é, de forma muito simples, o levantamento exaustivo ou amostral de informações de diferentes naturezas e sobre elas apurar tendências, padrões, realidades, através de diferentes métodos quantitativos. A Arte não tem definição fácil mas pode ser, entre tantas e tantas coisas, uma das formas que nós, enquanto Humanidade, encontramos para lidar e interpretar o Real. A primeira tem a capacidade de ajudar a sintetizar este Real, de ajudar a perceber de onde veio e para onde, tendencialmente, poderá ir. A média é um dos seus métodos mais utilizados mas não é o único e está longe de ser o mais complexo. Mas qualquer que seja a volta que dêmos à Estatística o individuo é, na maior parte das vezes, dissolvido na multidão do total ou da amostra. A Arte permite-se ser diferente. A Arte pode agarrar na média, no desvio padrão, na excepção, na regra, analisar uma, muitas, todas, tudo cozinhado com narrativa e com ponto de vista e voilá.  Se o talento e a sorte foram muitos ou apenas apropriados então teremos uma obra que revela tanto do Real quanto a Estatística. Essa revelação está longe de ser quantitativa ou, se quiserem analogias arquitecturais, uma linha recta. Mas é nesse emaranhado que reside o Belo e o Verdadeiro - um dos verdadeiros, não O verdadeiro. Eu bem vos disse que a relação era labiríntica

Presas Fáceis é o mais recente livro de Miguelanxo Prado e foi lançado em Portugal na fabulosa colecção Novelas Gráficas II, que está a sair junto com o jornal Público todas as quintas-feiras. Conta uma história plenamente imersa no actual zeitgeist. A crise financeira de 2008 arrastou consigo múltiplas consequências que afectaram de forma variada as populações. Como é sempre nestes casos, são os mais frágeis os que sofrem mais, os alvos fáceis dos predadores. Uns chamariam a isso Darwinismo. Prado não. O enredo mistura, como o próprio autor o afirma, casos reais com ficção, começando no suicídio de um casal de idosos e continuando numa investigação policial envolvendo o assassinato em série de altos quadros de vários Bancos da Galiza, terra natal do autor. O posicionamento de Prado, ainda que dissolvido pelas perguntas que levanta através da narrativa, não parece deixar muito espaço para dúvidas. Deixo ao vosso cargo descobri-lo, mas envolve a tal tangente entre Estatística e Arte.  A tal capacidade que uma e outra têm em interpretar o Real, em o destilar. A tal forma de ver que cada um de nós escolhe. Porque a nossa Humanidade, a nossa Empatia, reside, por vezes, na relação que temos com os acontecimentos, que pode ser estatística e/ou artística. 

Não sendo, para mim, um dos melhores trabalhos do autor, não deixa de ser uma obra ímpar e de leitura obrigatória. A escolha do preto e branco é particularmente feliz e a capacidade de Prado em contar uma história  é cativante e fluída, como não poderia deixar de ser. 

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