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Dampyr o Suicídio de Aleister Crowley de Mauro Boselli e Michele Cropera


Depois de Dylan Dog, A Seita traz-nos mais uma aventura dos fumetti italianos, desta vez protagonizada por Harlan Draka, o Dampyr, criado por Mauro Boselli e Maurizio Colombo. Nascido da união de um vampiro com uma mulher mortal, Harlan está entre dois mundos, e percorre o globo em busca de todas as criaturas sobrenaturais do mal.

O que une o poeta Fernando Pessoa, o mago Aleister Crowley, Ofélia Queiroz, as criaturas saídas dos contos de H. P. Lovercraft e o terramoto de 1755, que praticamente destruiu a cidade de Lisboa? Para responder a esta questão, Dampyr regressa a Portugal para investigar o aparente suicídio de Crowley ocorrido em 1930, na Boca do Inferno, perto de Cascais.

O Amuleto de Roberto Bolaño


Enquanto o mundo lá fora afogava-se, fechei-me no cubículo de minha casa onde os livros entornavam-se do chão até ao teto, o barulho ensurdecedor das vagas tremia nas paredes que se rachavam por todas as diagonais e por todos os recortes e, mesmo assim, a casa aguentava-se, como um monólito pré-histórico, um menir.

As ruas da cidade permaneceram submersas durante semanas e, enquanto a pouca comida e a pouca água aguentaram o meu corpo, os livros que retirava, um a um, despacharam as horas dos dias, despejadas para o passado pelas palavras dos que amo e pelas ações daqueles que acharam por bem escrever. Comecei pelo primeiro livro que me deram e percorri cronologicamente (a minha imaginação nunca foi tão boa como a daqueles que admirava) até quando pude, dei graças a cada partícula de pó acumulada nos volumes amontoados e respigados pela minha obsessão. Comecei pelas aves (que começo auspicioso, digo eu, voar com as asas catalogadas) e continuei me entretendo com as já antigas palavras de Homero, de Edith Hamilton, que o seguiu nos mitos e nos heróis e nos deuses, de Tolkien, que me lembro tão bem pelo filme mas, acima de tudo, pelas palavras.

Reli cada teia pendurada nos prédios de Nova Iorque, cada capa vermelha nos céus da cidade imaginada de Metrópolis, cada rua suja da gótica do homem de negro, do deus Byrne que de tantas e tantas páginas preencheu o vazio, do mestre Gaiman que com tantas e tantas palavras preencheu o nada.

No final ainda imaginei como seria bom o mundo literário ter nas suas prateleiras uma outra saga do Sandman escrita pelo Saramago, uma história dos múltiplos universos da DC pelo Pessoa ou 10 anos do Super-Homem escritos por Alan Moore.

O Amuleto de Bolaño é o meu primeiro livro deste autor. Conta a história da mãe de todos os poetas mexicanos, de como viveu fechada numa casa de banho da Faculdade de Filosofia e Letras da Cidade do México em 1968, de como nessa clausura reviveu o passado que aconteceu e o que não aconteceu, de como previu o que ainda iria viver ou do que ainda poderia viver, caso sobrevivesse. 

Breves Coisas 32

Acaso

No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.
A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.

Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.

Álvaro de Campos, Poesia

Breves Coisas 29

Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci, de que se não pode amar ou odiar uma coisa senão depois de compreendê-la.

A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir. O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pessoa — de uma só pessoa que seja — atrasa-me imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o contacto com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contacto é um contra estímulo, se é que esta palavra composta é viável perante a linguagem. Sou capaz, a sós comigo, de idear quantos ditos de espírito, respostas rápidas ao que ninguém disse, fulgurações de uma sociedade inteligente com pessoa nenhuma; mas tudo isso se me some se estou perante um outrem físico, perco a inteligência, deixo de poder dizer, e, no fim de uns quartos de hora, sinto apenas sono. Sim, falar com gente dá-me vontade de dormir. Só os meus amigos espectrais e imaginados, só as minhas conversas decorrentes em sonho, têm uma verdadeira realidade e um justo relevo, e neles o espírito é presente como uma imagem num espelho.

Pesa-me, aliás, toda a ideia de ser forçado a um contacto com outrem. Um simples convite para jantar com um amigo me produz uma angústia difícil de definir. A ideia de uma obrigação social qualquer — ir a um enterro, tratar junto de alguém de uma coisa do escritório, ir esperar à estação uma pessoa qualquer, conhecida ou desconhecida —, só essa ideia me estorva os pensamentos de um dia, e às vezes é desde, a mesma véspera que me preocupo, e durmo mal, e o caso real, quando se dá, é absolutamente insignificante, não justifica nada; e o caso repete-se e eu não aprendo nunca a aprender.

"Os meus hábitos são da solidão, que não dos homens"; não sei se foi Rousseau, se Senancour, o que disse isto. Mas foi qualquer espírito da minha espécie — não poderei talvez dizer da minha raça.


Livro do Desassossego de Fernando Pessoa

Breves Coisas 18 - Brief Things 18

Que tenho o coração preto
Dizes tu, e inda te alegras.
Eu bem sei que o tenho preto:
Está preto de nódoas negras.

I have a black heart
You say, and still you rejoice.
I know that I have it black:
It’s black ‘cause of the bruises.


Fernando Pessoa, Poeta Português, Portuguese Poet

Breves Coisas 11 - Brief Things 12

O amor é uma amostra mortal da imortalidade

Love is a mortal sample of immortality.

Fernando Pessoa, Aforismos e Afins

Fernando Pessoa - Ricardo Reis

Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio

Breves Coisas 11 - Brief Things 11

Não há normas. Todos os homens são excepções a uma regra que não existe.

There are no rules. All men are exceptions to a rule that does not exist.

Fernando Pessoa, Aforismo e afins

Poemas à Margem


Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

***

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la.
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.

Alberto Caeiro in Poemas Inconjuntos

Poemas à Margem


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Fernando Pessoa in Autopsicografia