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The Fade Out de Ed Brubaker e Sean Philips - G Floy

(repescamos esta nossa opinião de 2016, com muitas modificações)

Diz-se que somos a mistura do que pensamos de nós, do que os outros pensam de nós e do que nós pensamos que os outros pensam de nós. Eu prefiro antes dizer que a verdade sobre quem somos está escondida em histórias:  das que contamos sobre nós mesmos; das que os outros contam de nós; e das que construímos para ir de encontro às que contam sobre nós. 

O que vou lendo! - Criminal, Wrong Time, Wrong Place de Ed Brubaker e Sean Philips

Quando vi o quatro episódio da série de TV Westworld reconheci, entre os escritores, um nome: Ed Brubaker. Alguém que conheço de ler nas páginas da Banda Desenhada a escrever algo para além da 9.º Arte é sempre um prazer, principalmente para ele mas também para nós. Neste mundo do século XXI, da imagem em movimento, da informação digitalizada disponível em pequenos ecrãs que carregamos para todo o lado, neste mundo ascendem, por via desta tecnologia, novas artes ou, pelo menos, novas formas de abordar antigas artes. A série de TV transporta para o pequeno ecrã a narrativa, a capacidade de contar histórias, e a BD faz o mesmo, apenas com imagens estáticas. Quer uma quer outra arte são recentes, principalmente se as colocamos no contexto das anciãs e sempre eternas Prosa, Poesia, Dramaturgia. Contudo, gosto de pensar que são mais que complementos ou substituições, são evoluções, iterações de uma mesma intenção, a tal de contar uma história. Ed Brubaker faz parte dos contadores, dos trovadores, que manipulam a arte da narrativa e aplicam-na a diferentes meios. O curioso no caso deste autor (e em todos, se virmos bem as coisas) é não esquecer-se do passado, antes inspira-se nele e reproduz, nos dias de hoje, obsessões presentes desde sempre em várias artes. O escritor é um incontestável fã do noir, abordagem que já teve nomes e histórias sonantes ao seu serviço, a maior parte delas conhecidas de quem vê cinema ou aprecia histórias de detectives conturbados e violentos mas honrados.

Ed Brubaker e Sean Philips são colaboradores de longa data. O trabalho conjunto dura à décadas e é testemunho da sua total sincronia que o continuem a fazer sem perder qualidade. Criminal é uma série da editora Image onde ambos dão vazão à veia noir, expelindo pequenos contos de redenção e pecado (muitas vezes nesta ordem) que envolvem os mais diferentes protagonistas possíveis. Não existe padrão excepto o da tragédia do crime, o da repetição de padrões de destino. Os personagens são homens e mulheres conturbados, omissos à lei e à ordem, envolvidos em situações violentas e das quais a única solução implica empregar mais e mais violência. Não que Criminal seja o tipo de narrativa a sobejar testosterona. Antes falamos de violência rápida e incisiva, direccionada, pessoal, e, por isso, mais trágica. Depois, claro, Brubaker e Philips lidam com as consequências e causas dessa violência, principalmente por via dos seus personagens. 

Nos dois contos interligados deste Wrong Time, Wrong Place acompanhamos um pai e um filho. No primeiro conto, o progenitor terá de lidar como uma azarada incursão na prisão. No segundo é a vez do filho lidar com a vida criminosa do pai, na melhor das duas narrativas. Uma das curiosidades destas duas histórias é a introdução de BD's imaginadas ao estilo da década de 70 e que fazem lembrar outras como Conan, o Bárbaro e uma curiosa mistura de Master of Kung Fu e Homem-Aranha

Criminal  é sistematicamente uma das mais consistentes obras de qualidade a sair da imaginação de Brubaker e Philips. Este sétimo não é excepção. 

The Fade Out de Ed Brubaker e Sean Philips



Diz-se que o nosso verdadeiro eu é uma mistura do que nós pensamos de nós mesmos, do que os outros pensam de nós e do que nós pensamos que os outros pensam de nós. Eu prefiro as coisas ditas de outra forma. Que a verdade sobre o que nós somos está escondida por detrás de histórias: daquelas que nós contamos sobre nós mesmos; as histórias que os outros contam de nós; e, quem sabe, as histórias que construímos para satisfazer as outras histórias que contam sobre nós. Não possuímos uma memória infalível e nem sempre contamos a verdade. Os outros não conhecem cada pormenor da nossa experiência. Na lenta construção dessa "mentira" vai sendo contada uma História que acaba por solidificar-se na nossa vida passada e no nosso destino. Os gregos chamavam-lhe tragédia. Essa palavra acabou por evoluir para vários significados mas que sumarizam a existência de um caminho que parece traçado deste que nascemos. 

Os três actos de The Fade Out, continuação da já longa colaboração entre o escritor Ed Brubaker e o desenhador Sean Philips (juntos fizeram Seeker, Criminal, Fatale, et al), falam de histórias e de como elas acabam por tomar controlo da realidade, acabam por transformar-se na verdade. Sabemos que isso não é novidade, que a História é contada pelos vencedores, que por mais que queiramos perceber o que realmente ocorreu nada nunca será claro. O que é maravilhoso neste The Fade Out é a forma como Brubaker e Philips (perdoem-me o trocadilho) contam a história. Retrocedem no tempo, para uma época talhada à sua sensibilidade, os anos 40, os anos do noir, e deslocam-se no espaço para a industria do Cinema de Hollywood, para a sua Era de Ouro, a de Bogart, a de Bacall, a de Gable. Os protagonistas são dois homens, ambos escritores, uma actriz assassinada, uma outra actriz bem viva e um conjunto de figuras e personagens da industria que tentam construir uma mentira que ofusque a verdadeira face de uma arte que, na realidade, não existe. Quer dizer, o produto final, o filme, ele existe e é perene, mas para que se forme no ecrã é necessário construir toda uma tapeçaria de imagens e histórias falsas para que a ilusão, a magia e a eternidade do Cinema construam-se. Mentiras sobre mentiras sobre mentiras. Ou melhor, a verdade que fica.

Brubaker e Philips constroem um labirinto, este não em Creta mas em Hollywood, onde o Minotauro dificilmente é descoberto e onde o fio de Ariadne seria  a verdade mas não existe. Uma das melhores colaborações entre ambos, mesmo depois de tantas e tão boas. Uma história sobre histórias, de como um país, uma civilização, ergue a infraestrutura da sua História numa cama de histórias que nada correspondem à verdade. Um belíssimo livro em três actos. 

O que vou lendo! - The Fade Out vol. 1 e Astro City, Private Lives




The Fade Out vol. 1 de Ed Brubaker e Sean Philips e Astro City, Private Lives de Kurt Busiek e Brent Andrerson

Estas duas BD têm, tematicamente, muito pouco em comum. A primeira é a mais recente incursão dos dois autores no universo noir de que tanto gostam (leiam sobre a sua colaboração em Fatale). O segundo é a continuação das histórias do universo de super-heróis criado por estes dois autores e por Alex Ross. Ambas têm abordagens completamente diferentes. Fade Out é uma análise cínica e negra (mas não desapaixonada) de Hollywood nos seus tempos áureos, onde a estrelas eram tão brilhantes quanto escuros eram os bastidores. Astro City verte amor por por todos os poros, uma carta longa, rebuscada e verdadeiramente apaixonada aos universos maiores que a vida dos super-heróis. Contudo, têm também muito em comum. Os quatro autores agarram nas suas paixões e, libertos de prisões, explanam toda a sua arte na concepção de universos e de estilos com os quais estão tão à vontade quanto pássaros a voar. Esta metáfora é, a meu ver, bastante apropriada. Quando deixam os criadores pensarem dentro das suas próprias inclinações e gostos, estes conseguem colocar cá fora o melhor que a sua capacidade criativa tem para oferecer.  Uma verdade tão simples e tão difícil de entender por alguns. Uma realidade que deveria ser lugar comum na maior parte da demanda artística e que, muitas vezes, é colocada de parte. Mesmo em trabalhos por encomenda, essa capacidade, esse engenho, não deveria ser curvado. Por observação ao longo dos anos, quando deixam o artista dar vôo à sua imaginação muitas são as vezes em que somos recompensados com obras melhores e, quando a sorte e o destino para isso se conspiram, maiores.

Depois desta conversa estarão à espera que não tenha outra coisa que rasgados elogios a estes dois livros. O prazer que ambos me deram ao lê-los pouco ou nada tem a ver com esta opinião. Se gosto mais ou menos é um problema exclusivamente meu, do que eu procuro numa obra. Tanto Fade Out como Astro City são dois bons exemplos do trabalho conjunto destas duas parelhas. No caso da primeira, Brubaker e Philips, cuja colaboração é já longa, é mais um exemplo do que as inclinações noir de ambos têm para oferecer. Desta vez não temos apenas detectives ou mulheres fatais "Cthulhianas" mas uma exploração do submundo de uma das artes que mais explorou o filão do noir: o cinema. A história começa com um assassínio, como não poderia deixar de ser, e imiscui-se nos meandros dos escritores, produtores, realizadores, da 7.º Arte. 

Astro City, Private Lives, é o mais recente volume da já antiga construção que Busiek, Anderson e Ross fazem de um mundo que mistura os arquétipos da Marvel e DC com a visão de deslumbramento ou horror do homem comum quando confrontado com estes universos de super-heróis. A "fórmula" continua a funcionar, se bem que neste conjunto de seis historias nem todas tenham a mesma força - todas contribuem para a macro-história que se está a construir desde o início desta nova série pela Vertigo. Apesar de continuar o deslumbramento, Busiek e companhia têm de tal forma nos habituado à excelência que qualquer coisa um pouco inferior sabe a pouco. Este volume apesar de ser superior à maior parte do que se produz em termos de super-heróis sabe a pouco.

Fatale da editora G Floy

Ao mesmo tempo que as BD Saga e Tony Chu, saiu ontem na Amadora BD a versão em português da excelente Fatale de Ed Brubaker e de Sean Philips. Da mesma maneira que já tinha falado neste Blog das duas obras já anunciadas, também já aqui dediquei umas quantas palavras a esta mais recente colaboração entre os dois artistas, parceria que dura há já muitos anos e muitas obras. Dêem uma olhada pelas etiquetas deste post e descubram outras coisas que escrevi sobre ambos.

Esta obra terá um total de cinco volumes, tendo o último sido publicado este mês nos EUA.





O que vou lendo! - Fatale vol. 4, Pray for Rain de Ed Brubaker e Sean Philips

A mais recente colaboração Brubaker / Philips ao estilo da literatura noir continua de boa saúde. Se posso dizer algo é que melhora com cada volume, à medida que nos aproximamos do final. Para quem não leu os posts anteriores sobre esta maravilhosa BD (que vergonha! Procurem-nos aqui), podem ter a certeza que não consigo conter-me nos elogios bem cuidados. O trabalho destes dois senhores mistura o dito romance noir com mitologia lovecraftiana. Um casamento feito (reparem agora na inspiração) … no inferno.

No anterior volume (que falei aqui) fizemos uma breve passagem pelo passado remoto. Neste, fazemos uma viagem temporal mais pequena, mas que ainda não nos situa firmemente no presente. Estamos na altura do advento e morte do movimento musical Grunge, sito na cidade de Seattle, e acompanhamos a história de um grupo que descobre o corpo amnésico da heroína de Fatale, a misteriosa Josephine, para estes uma mera Jane Doe. Liberta inconscientemente das amarras místicas e psicológicas que autoimpõe sobre a sua natureza predadora, começa, paulatinamente, a devorar cada membro do jovem grupo de música. Um repasto inconsciente, movido não pela maldade mas pelo instinto. Contudo, o fim é sempre o mesmo. Aqui reside um dos trunfos deste quarto volume da saga composta por Brubaker e Philips. Finalmente presenteiam-nos com toda a terrível glória da sua criação, a tenebrosa e trágica mulher fatal que é a centenária Josephine. Todos sucumbem à sua inconsciente natureza, uma sinfonia de prazer e sexo que arrasta todos os homens para o abismo de perdição (a linguagem que uso, tendo em consideração o estilo de literatura, é mais que apropriado).

A escolha do cenário para este novo relato parece algo pessoal aos autores, mas também apropriado. No isolamento chuvoso da mansão, perdida nas florestas do estado de Washington, desenrola-se a tragédia pessoal dos membros do grupo Amsterdam, bem como a inevitabilidade dos eventos que se sucedem após a descoberta do corpo nu de Josephine por um deles (homem, claro). A história não só acrescenta à mitologia mais larga como pode ser lida sozinha, sendo um dos melhores volumes da coleção.


A simbiose entre escritor (Brubaker) e desenhista (Philips) é já espontânea e escorreita, não saltando uma nota ou havendo um som desafinado (mas que grande trocadilho). Imagino que um escreve para o outro e o outro desenha para o um. 


O que vou lendo! - Fatale vol 3 West of Hell de Ed Brubaker (escritor) e Sean Philips (desenhista)


Leiam aqui o post sobre o segundo volume. 

Com o terceiro volume de Fatale, Ed Brubaker e Sean Philips começam a compor o quadro com o aprofundar do mistério. Nos dois primeiros volumes, este estendia-se apenas a uma única e misteriosa mulher fatal, uma beleza capaz de convencer, por meios sobrenaturais, os homens a fazer tudo aquilo que deseja, que, com a sua mera proximidade, arrasta o género masculino para uma espiral de perdição. Tudo isto servido num ambiente devoto ao noir, aos homens perdidos pelo álcool, pelo crime e pelas curvas da falsa fragilidade do sexo oposto.

Com este volume, a escala cresce, geográfica e temporalmente. Quem são as várias mulheres fatais que se espalharam, ao longo dos tempos, pelas paisagens europeias e americanas? Porque estão elas sentenciadas a marcar os homens que se lhe atravessam no caminho? Que mistério circunda estas mulheres, fisicamente iguais, enquanto encontram, de forma mais ou menos clara, uma resposta ao mistério de “quem sou eu”? E que misteriosas criaturas lovecraftianas são aquelas que as perseguem?

Brubaker e Phillps perpetuam uma parceira que parece estar a produzir uma das melhores sagas da sua já longa colaboração, e isso é dizer muito. Fatale é herdeira do ambiente e narrativa de trabalhos anteriores como Incognito, Criminal e Sleeper mas com um toque sobrenatural que não era lugar-comum nestas suas anteriores obras. E que apropriado esse ingrediente é, já que os dois autores não se esquecem da assinatura que lhes tem trazido tantos sucessos e introduzem elementos que conseguem trazer novidade ao seu repertório. Isto tudo numa colaboração que parece acontecer sem esforço, com uma narrativa escorreita e perfeita na colagem entre palavras e desenhos. Ao mesmo tempo, existe um sentimento de banda desenhada “à antiga”, com uma estrutura de páginas e capítulos sem “splash-page” (página com um único quadradinho), um registo europeu e sem perder a noção de surpresa e de entusiasmo a cada virar de página.

Atualmente, uma das melhores coisas a sair da banda desenhada americana, numa editora, a Image, que está a tornar-se - volto a dizê-lo -  numa nova Vertigo, a emblemática imprint da DC Comics para leitores com "discernimento adulto".

O que vou lendo! - Fatale vol. 2: The Devil's Business de Ed Brubaker (escritor) e Sean Phillips (desenhista)


O que acontece quando uma mulher fatal é de facto mortífera no sentido mais literal da palavra? Imagino que tivesse sido essa a questão por detrás do conceito deste Fatale, BD de terror noir (se é que isto não é um pleonasmo) concebida pela já lendária parelha de Brubaker e Phillips.

A narrativa vai navegando pelo tempo, ora focando os finais da década de 70, ora o passado mais recente, e centra-se numa mulher, a dita Fatal, que não escolhe sê-lo, antes está a condenada a essa tragédia. Existem homens que inevitavelmente e sem escolha própria, são atraídos para a sua beleza, para o seu sexo, e enredados de forma muitas vezes mortal na vida demoníaca da protagonista. Sim, porque os autores misturam a novela noir, com os seus lugares comuns e clichés, num outro universo temático, o de terror, com resultados que só poderiam ser impressionantes, tendo em consideração a proximidade dos géneros e o trabalho destes dois autores.

Este volume continua a saga do personagem principal de uma forma que não necessita da leitura do volume anterior para se perceber a história (mas tendo em conta a qualidade acho que vale a pena procurá-lo). O que conta é a qualidade da escrita e os desenhos de ambiente soturno, degradante e aterrador, que funcionam, como é apanágio de Phillips, em plena concordância com os verbos de Brubaker. Como é possível que um parceria que já nos trouxe Sleeper, Crimimal e Incognito continue a funcionar desta maneira?