Naum Gabo, Cabeça n.º 2, 1916
O que vou lendo! - Chá e Amor de Yasunari Kawabata
Cheguei, com as mãos e os pés gelados, ao
coração da floresta fria de Outono. À minha frente, uma mulher japonesa movia-se
como os súbitos tique-taques de um relógio, em
contraponto com o longo vestido preto, vermelho e branco a flutuar em
múltiplas figuras de tecido ondulante.
Sentia-me nu dos pés à cabeça e ela
aproximou-se de mim, subserviente, as mãos estendidas segurando uma
taça e um pote de chá, ambos quentes, o fumo a subir curvilíneo, cheio, no ar
gélido.
Senti um prazer momentâneo, uma corrente
que atravessou o meu corpo e galgou o espaço entre mim e a mulher mecânica. Entrevi,
nos folhos do topo vermelho do vestido, um pouco da curva do seu pescoço, alvo,
jovem. O meu olhar demorou-se na imagem, ao ponto de ela e eu termos parado o
tempo e a floresta, cada gotejar do gelo a derreter durando uma eternidade.
Senti a manta quente a repousar nos meus
ombros e deliciei-me com o cheiro familiar da minha mãe. Apenas o peso das mãos
sublinhou a sua presença, por detrás de mim.
Estava sozinho e apressei-me a compor-me
para sair da clareira verde e castanha, da floresta que continuava gélida. Deixei
a manta no chão, tapetado de folhas e frutos mortos, e dirigi-me para fora, para
o fim da floresta, onde demorei a chegar.
No fim da caminhada encontrei outra
floresta e entrei, convidado pelo som de um bule a aquecer e de chá a ser vertido
na chávena fumegante.
Chá
e Amor é o meu 4.º livro
de Yasunari Kawabata, o nobelizado
escritor japonês, falecido por suicídio em 1972. Não há nada de surpreendente
na beleza e delicadeza das palavras que este escritor nos oferece, prendas que
desembrulhamos com demora. Cada livro é cheio de silêncio, de emoções contidas,
fortes e cheias, de sensualidade que nos parece, a nós latinos, tão estranha.
Tão poucas palavras num livro, para descrever tão plenamente um mundo, talvez
apenas o do escritor.
Lovage e Weeknd – Música para fazer o amor - artigo Maxim
Malta, está online no sítio do costume a minha contribuição desta semana para o site da Maxim.
Neste link podem ver um post antigo sobre o LP Lovage.
Neste link podem ver um post antigo sobre o LP Lovage.
O que vou lendo! - The New Deadwardians de Dan Abnett (escritor) e I.N.J. Culbard (desenhista)
Esta BD é uma raridade. Primeiro porque basta ler este volume
para que tenhamos uma história completa e acabada (até ao ponto em que as histórias
acabam, porque elas têm tendência a continuar mesmo depois do artista dar-se
por satisfeito com elas). Segundo, porque é a evolução de três conceitos hoje
em dia muito na moda: zombies; vampiros; romance de época vitoriana ao estilo Downton Abbey. Se a mistura vos parece
estranha, imaginem então lê-la e ficar deliciados com a fusão pós-modernista
que é este excelente esforço de Abnett
e Culbard, publicado pela Vertigo.
O início do século XX foi cheio de evoluções e revoluções, principalmente
agora que ganhamos a visão do ocorrido nos 100 anos seguintes, que passaram
pelo advento de pensamentos estruturantes (modernismo, cubismo), artes cheias
de novos pontos de vista (cinema, arquitectura, pintura) e, acima de tudo,
artistas, cientistas e filósofos que se esforçaram para pensar e gritar para
fora das suas próprias cabeças. Foi neste crepúsculo ideológico que a ciência continuou
a lenta caminhada para a afirmação, paulatinamente derrubando os axiomas místicos
e religiosos até então criados.
No universo criado por Abnett para esta BD ocorreu uma catástrofe que, ainda que não tenha limitado esta explosão criativa do século XX, mudou em muito a perspectiva humana sobre a sua própria mortalidade. 50 anos antes da época em que começa o livro, ocorre o advento dos zombies, os mortos vivos, que aparecem do nada e obrigam uma classe privilegiada inglesa a ministrar aos merecedores uma “cura” que, em resumo, os transformava em vampiros. Volvido meio século, a Grã-Bretanha está dividida em zonas, uma reservada a vampiros, outra a zombies e uma última exclusiva para humanos não privilegiados o suficiente para receber a bênção da cura.
É neste panorama que ocorre um estranho assassinato. E, da investigação levada a cabo por um vampiro veterano da guerra dos zombies, obsoleto detective de homicídios (sim, com os privilegiados sendo imortais, o assassinato caiu de moda), literalmente o mundo não será mais o mesmo.
No universo criado por Abnett para esta BD ocorreu uma catástrofe que, ainda que não tenha limitado esta explosão criativa do século XX, mudou em muito a perspectiva humana sobre a sua própria mortalidade. 50 anos antes da época em que começa o livro, ocorre o advento dos zombies, os mortos vivos, que aparecem do nada e obrigam uma classe privilegiada inglesa a ministrar aos merecedores uma “cura” que, em resumo, os transformava em vampiros. Volvido meio século, a Grã-Bretanha está dividida em zonas, uma reservada a vampiros, outra a zombies e uma última exclusiva para humanos não privilegiados o suficiente para receber a bênção da cura.
É neste panorama que ocorre um estranho assassinato. E, da investigação levada a cabo por um vampiro veterano da guerra dos zombies, obsoleto detective de homicídios (sim, com os privilegiados sendo imortais, o assassinato caiu de moda), literalmente o mundo não será mais o mesmo.
Extraordinária BD cheia de imagética perene e frases
infinitamente citáveis, The New
Deadwardians prova, uma vez mais, a incrível capacidade da BD para temas tão
seus e dificilmente adaptáveis por outras artes (se bem que este livro está mesmo
a pedi-las para ser adaptado ao cinema). Temos a certeza que nos debruçámos
sobre uma excelente história, quando a forma, neste caso a mistura de vampiros, zombies e
intriga vitoriana, é apenas o palco para uma moral e ética humana e universal.
Decididamente a ler.
Descobrir as Diferenças.
Manhatta, curta-metragem de Paul Strand e Charles Sheeler, 1921
Will Eisner, LIFE no "City, narrative portfolio", 1980
Oz, the great and powerful de Sam Raimi
Confesso não me lembrar de ter visto, pelo menos de uma
ponta à outra, o celebrado Feiticeiro de Oz
de 1939, filme emblemático na história do cinema. Portanto, dirigi-me
relativamente virgem para esta nova versão/prequela do universo criado por L. Frank Baum, apenas munido das imagens
pouco definidas do original e de algumas referências da terra de Oz vindas de séries
de TV como Once Upon a Time ou da BD
Fables. O preconceito sempre me
inclinou para uma excessiva infantilidade da fantasia pintada neste mundo imaginário
mas, ainda assim, Sam Raimi, realizador
conhecido pela melhor versão cinematográfica do Homem-Aranha e pelos excelentes
filmes de terror Evil Dead, tem
reputação suficiente para que eu dê o benefício da dúvida.
Oz segue a mesma estrutura “inventada” pelo filme original,
dividindo o mundo real, a preto e branco, e o mundo de Oz, de cenários de cores
garridas e primárias. A primeira impressão do mundo fantástico confesso ter-me
deixado um pouco insatisfeito, pelos preconceitos que disse, mas, às páginas
tantas, algo muda na narrativa de Sam
Raimi que, ainda que continuando a tentar apelar a todas as idades, esforça-se
por esgravatar mais fundo, acabando por deixar respirar uma história
limpa, bem estrutura e enternecedora. Isto sem uma única canção (a
não ser num pequeno momento hilário, recompensador para aqueles que, como eu,
não suportam musicais).
Acaba por afirmar-se como um blockbuster que não apela somente ao mais baixo denominador comum e entrega
prestações sólidas dos atores. Mila Kunis
torna-se num personagem bastante relevante na mitologia oziana e, numa cena particularmente
inspirada, quando conhece o personagem de James
Franco, o Oz do título, emula os gestos e maneirismos das milhentas princesas
Disney de olhos grandes, mesmerizados
pelo primeiro vislumbre do Príncipe Encantado. Outros momentos
divertidos envolvem novamente James
Franco e os seus dois companheiros de viagem pela estrada de tijolos
amarelos, o macaco voador e a rapariga de porcelana.
Oz é um espectáculo visual de efeitos especiais e cenários
computadorizados, muitas vezes ao ponto de parecer um jogo de computador, aliás
um defeito de muitos filmes hoje em dia (vejam por exemplo o recente Hobbit), mas por detrás deste carnaval
existe um coração forte e um especial elogio ao cinema e à arte do “desenrasca”,
que muitas vezes caracteriza o engenho humano.
A ver!
A última vez que vi Macau + Alvorada Vermelha de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
Filme
de matriz saudosista e nostálgica, A
Última Vez que vi Macau faz alusão a várias lembranças que os dois
realizadores portugueses não querem esquecer. A memória de um território
perdido ao império português, que parece trazer recordações de infância aos
autores, e a memória do cinema, pela alusão ao filme noir e pelas imagens de Jane
Russell no filme Macao de 1952.
Filme
ao mesmo tempo documentário e narrativo,
espraia uma história da procura por uma amiga pela ruas iluminadas mas dissimuladas
da cidade de Macau, revelando, pela força da inclinação noir, um gosto pelo mistério misturado com saudade. As imagens
desfilam, belas, pela frente dos nossos olhos, cada plano um enquadramento temperado
e apurado pela perspectiva fotográfica. Parece existir uma busca anárquica pela
Macau da lembrança infantil, ao mesmo tempo que a encontram na narrativa
desconexa das imagens, ao uni-las quase paradoxalmente.
Acontece
que por força de uma história relativamente pouco interessante e arrastada de
forma nada inovadora, por força de uma monocórdia voz de narrador, pela pouco impactante
imagética tirada da cidade, o filme acaba por ser enfadonho e pouco memorável. Nada
aqui sai de alguns lugares comuns do filme noir
misturados com tiques de filmes independentes. O que acaba por ser
verdadeiramente uma pena, já que, e ao contrário do que estávamos à espera, a
curta metragem Alvorada Vermelha, que
antecede este Última Vez, acaba por
ser o verdadeiro interesse de ir ao cinema pagar o bilhete. Este pequeno
documentário relata, sem voz e com frias imagens, um dia num mercado macaense,
com particular e sádico interesse pela sua alvorada. Realizado com distante mas
nunca mecânico ponto de vista, não deixa de transmitir, de forma indelével, a
opinião dos dois autores que, se não são Budistas ou vegetarianos, pelo menos
tentam passar uma mensagem dessa inclinação. Ou então apenas uma de amor por
animais, o que diga-se de passagem seria bem mais do que suficiente.
A
ver, mas provavelmente apenas o documentário de 20 minutos que abre a sessão.
Demolidor... Ler sem medo! – parte 3.ª
Daredevil
Visionnaires Frank Miller 1 a 3
Frank
Miller iniciou a carreia mediática na BD americana
quando tomou as rédeas do Demolidor, cuja revista encontrava-se à beira do
cancelamento. Inicialmente, dedicou-se apenas aos desenhos, auxiliando Roger McKenzie, escritor, o que desde
logo significou um salto quântico na qualidade visual e estética do personagem.
Com Miller, Nova Iorque assume-se
como um inferno noir, fumo negro a
encher as alturas onde o personagem se deslocava, bares imundos povoados pela
escória da cidade, enquanto no topo dos arranha-céus que desenham o horizonte
da cidade viviam os abastados corruptos que a governavam. Esta era a Nova
Iorque de Frank Miller, de Martin Scorcese, das décadas de 70 e 80.
Os números com McKenzie não passaram, contudo, de um aquecimento. Depressa assume
as rédeas da escrita e logo no primeiro capítulo daquela que viria a ser
considerada como a interpretação definitiva deste personagem, Miller introduz um conjunto de elementos
que viriam a caracterizar quase toda a sua primeira contribuição para o Demolidor.
Influenciado pelos Mangás e muito
especificamente pela seminal obra Lone
Wolf & Cub, o autor introduz nas primeiras páginas uma ninja, Elektra Natchios, o primeiro e perdido
amor do personagem, uma personalidade dúbia, oscilando entre os lados negro e
luminoso da moralidade, uma assassina a soldo com consciência e um passado
trágico (como não poderia deixar de ser). Em apenas um capítulo, Miller introduz o lado cinzento da ética
de Matt Murdock, dividido entre um
amor por um personagem que ele sabe marcado pela tragédia, e o dever absoluto
pela justiça, que paradoxalmente defende como Demolidor e advogado. Este dilema
acabará por definir o personagem, tendo esta influência se imprimido no cerne e
caracterização para o resto dos seus dias.
A atmosfera circundante ao Demolidor oscilaria
entre este temas tão caros a Miller,
que assume a faceta de auteur, alguém
que molda um personagem ao ponto de o recriar. Foi aqui também que o escritor agarra num ridículo inimigo
do Homem-Aranha, o Rei do Crime, e transforma-o ao ponto de fazer pleno jus ao
seu epíteto. Mas o que o autor faz nada mais é que alicerçar o mundo do
Demolidor na realidade, onde os super-vilões deixam de ser motivados por
motivos ridículos e grandiloquentes mas antes pelas boas e velhas ganância,
desonestidade e ânsia de poder. Nada menos e ao mesmo tempo mais
revolucionário.
A história estender-se-ia por dois actos,
sendo que morte violenta e inesperada de um dos principais personagens
coadjuvantes acabaria por marcar o meio do caminho. Apimentando o percurso
acabariam por imiscuir-se histórias até à data pouco contadas no universo dos
super-heróis. Histórias de cariz social e de intervenção, como as relacionadas
com corrupção política e droga em meios escolares. Mas nunca sem descurar o
elemento de aventura tão caro e obrigatório a este estilo.
Os três volumes que aqui se recomenda
coleccionam a totalidade desta primeira contribuição de Miller para o Demolidor, válida pela qualidade superior que lhe
rendeu um papel na História da BD. Leitura essencial a todos os níveis.
Side Effects de Steven Soderbergh
Ver um filme
sem propositadamente conhecer a história, tem as suas vantagens. Quando o
prazer de ir ao cinema ou de ler um livro se substitui ao conteúdo dos mesmos
pode, muitas vezes, trazer-nos inesperados prazeres. Por isso detesto que me
contem o que quer que seja das surpresas que esse filme ou esse livro possam
trazer e, por vezes, isso estende-se à totalidade do conteúdo narrativo. Neste Side Effects foi rigorosamente isso que aconteceu.
Entrei na sala de cinema apenas com o mínimo de informação: o nome do
realizador; alguns dos atores; era falado em inglês. A partir daí, tudo foi uma
surpresa.
E que fantástica
surpresa!
Muito
sinceramente, no que respeita à história e enredo (que podem consultar em
outros sites da especialidade), é tudo quanto me reservo o direito de explicar.
Pode ser que, após estas breves palavras, sintam a coragem de pagar o bilhete e
entrar na sala virgens de qualquer outra coisa que não sejam as informações que
eu próprio disse que tive. E pode ser que tenham a mesma sensação. Ou não!
Soderbergh tem feito algumas ondas já que anunciou ir abandonar a 7.ª arte, sendo este o seu
último filme. Está neste momento a preparar uma série de TV para
a HBO (a mesma cadeia de TV por cabo
que nos deu Os Sopranos, The Wire, Game of Thrones e True Blood)
que consta ser o canto do cisne deste emblemático realizador independente. Chama-se
Behind Candelabra. Curiosamente, a série
era para ser um filme, mas a história, que relata a vida de Liberace, com Michael Douglas e Matt Damon
nos papéis principais, foi considerada demasiado gay pelos executivos de Hollywood.
Com este Side Effects, Soderbergh não larga da sua
assinatura imagética e narrativa, com planos minimalistas e
elegantes, onde as palavras são sussurradas, os ambientes caldos mas, paradoxalmente,
frios, vítreos. Todos os personagens e décors
são colocados num mise en scéne estudado
e distante, providos de hermetismo anti-séptico mas francamente belo, ou
melhor, atraente. Esta estética existe desde sempre, tendo atingido um interessante
apogeu com Confissões de uma Namorada de Serviço
(2009), onde deu protagonismo mainstream (se é que disso se pode chamar
este belíssimo filme) a uma atriz pornográfica, Sasha Grey.
Com já o disse
entro em completo desserviço para com o apreciador de cinema se lhe revelo
qualquer outro pormenor deste filme, portanto, apenas posso reiterar que já se
trata de um dos meus favoritos do ano.
O que vou lendo! - The Invincible Iron Man de Matt Fraction e Salvador Larroca
Foi recentemente publicada a última colecção do conjunto de
12 volumes que encadernam em formato capa dura a história que Matt Fraction, escritor, e Salvador Larroca, desenhista, talharam
para Tony Stark, o conhecido Homem de Ferro (Iron Man, no original). Começaram a parceria no mesmo ano do
lançamento do primeiro filme (2008), que à data trouxe reconhecimento mainstream a este desconhecido
personagem da Marvel. Graças a uma
excelente prestação de Robert Downey Jr,
aos obrigatórios efeitos especiais ao serviço de uma história escorreita e,
claro, ao charme deste personagem criado na década de 60, a Marvel iniciou uma carreira
cinematográfica que tem dados frutos não só ao nível da qualidade mas também das
finanças.
Nesse mesmo ano foi então relançada a revista deste
personagem, entregando-o a um escritor que se havia destacado na produção
independente com títulos pós-modernistas como Casanova (actualmente a sair pela chancela também da Marvel) e Salvador Larroca, nada novo nestas andanças. O que saiu desta
colaboração foi um Tony Stark ao
mesmo tempo verdadeiro à sua essência mas também moderno, vanguardista, como
convém a um homem que é a mistura de Steve
Jobs elevado à enésima potência com George
Clooney, o arquétipo do playboy
suave, acessível e incrivelmente charmoso. O Homem de Ferro de Fraction
é um futurista, um homem que talha, pela inteligência e engenho, como vamos
ler, como vamos navegar na net, conduzir, poupar energia. Literalmente, cria o
futuro. E graças à linha de Larroca,
a tecnologia usada é cristalina, limpa, asseada, acabada de sair da fábrica,
como num anúncio filmado na Côte D’Azur.
Em contraponto, os adversários são temíveis e implacáveis, como convêm sê-lo
neste mundo de altos riscos e altos ganhos. E não se limitam ao vilão do
costume, muito pelo contrário. Aqui os inimigos são corporativos, altos
gestores em concorrência cerrada. Não há superpoderes que possam valer, apenas
a inteligência, o savoir faire, o trompe l'oeil, a disputa de vontades nas
esferas da finança e intriga empresarial. Um mundo onde um CEO como Tony Stark movimenta-se como veludo.
Não sendo o maior fã do personagem que existe, depois de alguns
anos sem o ler regressei com este trabalho. No passado li as mais emblemáticas
histórias na vida do personagem (as de Michelinie,
Byrne, Busiek e Ellis, nomes reconhecidos
pelos leitores ardentes de BD), mas nunca me senti particularmente identificado
pelas qualidades e personalidade de Tony
Stark. Mas, graças ao filme e a esta série, ganhou uma vida nova, percebi tratar-se
de um personagem incrivelmente bem talhado para este século XXI, o da internet,
o da informação à velocidade da luz, das grandes corporações, das inovações
tecnológicas que nos mudam o modo de vida. E Fraction e Larroca fazem
uso e usufruto dessa adaptabilidade, tendo-me obrigado a lê-los do princípio ao
fim. E aí reside também uma outra vantagem deste trabalho, a possibilidade que nos
oferece de ler uma única história, com algumas das obrigatórias interrupções inerentes
ao universo compartilhado dos super-heróis mas ainda assim descomplicada e com alto
nível de entretenimento e de reflexão. Assim deu gosto de ler o Homem de Ferro.
O verdadeiro filme Argo
Por esta altura todos já ouviram falar do nome "argo". Uns porque ainda se lembram do mito dos argonautas (e o navio com esse nome em que viajaram uns heróis gregos na demanda do Tosão de Ouro), outros por causa do vencedor para Oscar de melhor filme, Argo de Ben Affleck. Também não será novidade para quem o viu, que trata-se da verdadeira história de um filme inventado e usado como estratagema para recuperar cinco americanos escondidos no Irão revolucionário da década de 70. Esse filme, como aliás é revelado, teve a obrigatória apresentação em Hollywood, atores contratados, uma produção iniciada, ou seja, tudo nos conformes para que a simulação fosse absolutamente perfeita. Inclusive, um dos maiores mestres da BD americana, Jack Kirby, pai da revolução Marvel da década de 60 junto com Stan Lee e Steve Ditko, chegou a produzir desenhos para esse pretenso filme, em que dava vida e estética a esse mundo fantasioso que nunca seria exibido.
Estas imagens são não só um precioso pedaço de história para os apreciadores de BD, pelo facto de uma vez mais certificarem o génio delirante na arte do Rei Kirby, como também para os curiosos em descobrir até que ponto levou a CIA o jogo de fumo e espelhos que levou à libertação dos seus conterrâneos.
Veja aqui a notícia original.
Estas imagens são não só um precioso pedaço de história para os apreciadores de BD, pelo facto de uma vez mais certificarem o génio delirante na arte do Rei Kirby, como também para os curiosos em descobrir até que ponto levou a CIA o jogo de fumo e espelhos que levou à libertação dos seus conterrâneos.
Veja aqui a notícia original.
Et si on Vivait Tous Ensemble? de Stéphane Robelin
O filme começa com um casal de idosos a desligar um rádio
que noticiava a crise actual e as respectivas consequências económicas. O
mote está assim dado para o desenrolar desta comédia dramática francesa sobre
as vicissitudes de ser idoso nesta Europa em mudança, em catarse colectiva, em interrogação
quanto ao modelo social seguido e a seguir. Mas o filme não se preocupa com
essas questões. Elas são para os mais novos. Ou será que nem para eles são?
O fantasma que se perpetua no filme é o da Morte, o grande
divisor, aquele que governa o arrastar ou o correr dos anos (conforme a
perspectiva) para estes homens e mulheres, todos com medo, com esperanças, com
desejos de jovem em corpos que não respondem ao que encontram na sua cabeça. Uns
encaram este precipitar para o fim com serenidade, outros não tanto, mas todos
com o mesmo sentido de inevitabilidade nos olhos, nas acções, na pressa em
fazer aquilo porque sempre ansiaram, quer o tenham concretizado ou não. Sempre
com o melhor sentido de humor possível, com um sorriso de contentamento. E com revolta
para com aqueles que os põe de lado, estes últimos não percebendo que os dias
acabam para todos e ninguém quer que eles acabem na espera. Querem continuar a
fazer, independentemente de tudo e de todos. E deles mesmo!
Ao mesmo tempo, os contadores imiscuem nesta história um jovem etnólogo (protagonizado por Daniel Brühl) que torna objecto da sua tese universitária a vida destes homens e mulheres, e que será obrigatoriamente influenciado pela sabedoria dos anos que passaram por
aquelas pessoas. Funciona ainda como contraponto, sublinhado que os desejos não
mudam assim tanto com o passar dos anos, apenas as rugas e a saúde. E não existe insanidade, demência, doença, que possa subverter os desejos e os
amores comuns a todos os homens, independentemente da idade. A respeito disto
observem a belíssima sequência final.
Um filme que sobrevive com uma história sólida e actores
desenvoltos (vemos aqui Jane Fonda e Geraldine Chaplin) ainda que a realização
não ofereça nada de excepcional. Um filme que vale todo pelo coração e não
tanto pelo apontamento extraordinário na, desculpem a pompa, História do
Cinema.
Muito bom!
Muito bom!
PS – Não consigo deixar de comentar os conteúdos colocados em cima das
mesas de cozinha de filmes europeus, principalmente quando comparados com os que
nos habituamos a ver nas dos americanos. Neste filme temos o prazer de ver
"verdadeiras" cebolas, alhos, queijos, enchidos, espalhados caoticamente, à
espera de ser descascados e comidos. Numa outra mesa provavelmente veríamos
pacotes de diversos snacks
embalados em cor e em vácuo. Apenas um pensamento!
A Implosão de Nuno Júdice
(para os de 15 de Setembro e 2 de
Março)
Imortalidade. Não morrer e continuar, pesados pelas nossas
decisões. Permanecer como observador de todos os juízos que deliberamos no
caminho. Deixar que as consequências passem pela nossa vida e pelos nossos olhos
como um filme sem misericórdia. Sermos ao mesmo tempo
observadores e observados, atores de uma comédia negra, remate de uma piada de
mau gosto. Irmos a sucessivos funerais de amigos e de outros que nunca
conhecemos, destes para quem sabemos ter sido importantes só pelo facto de
termos passado pelas suas vidas de forma breve, mas sabemos que nunca ao de
leve. Porque nada nunca é ao de leve. Pode demorar 10 meses, 10 anos, 10
séculos, mas todas as nossas ações tiveram ou terão consequências. A tal ponto
temos consciência dessa simples verdade que, passados séculos ou, quem sabe e
se formos muito teimosos, milénios, todos os nossos atos são cometidos apenas depois
de pesar todas as consequências, muitas vezes ao ponto da inação. De preferir
não fazer nada. Ou de ter medo de fazer alguma coisa. Porque já não sabemos
qual é a maneira correta para se fazer qualquer coisa, porque as consequências
são muitas e as hipóteses são iterações infinitas. Desconfiamos de Deus e do
Diabo. Desconfiamos do preto, do cinzento, do branco. Desconfiamos porque não
sabemos se o que fazemos agora, será o melhor para sempre. A perfeição é quando
voltamos ao início, quando não sabíamos as consequências plenas de todos os
nossos atos. Quando voltamos ao ponto de nos deixarmos de preocupar com as mil
e uma hipóteses que uma simples palavra, um simples passo para frente, uma
simples virar de esquina podem ter, quando assumimos as nossas crenças como
mutáveis mas verdadeiras no aqui e agora. É nesse momento que nos tornamos naturalmente
humanos. Livres.
Implosão é o mais
novo livro de Nuno Júdice e começa numa manifestação parecida com a de 15 de setembro
de 2012, num país parecido com o nosso, num continente parecido com a Europa.
Dois homens da revolução encontram-se e conversam sobre o passado e sobre uma mulher que ambos amaram. A maior parte da conversa
é tida em frente ao caixão desta mulher que amaram (estará ela morta?), dentro de
uma igreja, à espera de um Traidor.
Um livro que marca este nosso período. De leitura obrigatória.
Subscrever:
Mensagens (Atom)