Cheguei, com as mãos e os pés gelados, ao
coração da floresta fria de Outono. À minha frente, uma mulher japonesa movia-se
como os súbitos tique-taques de um relógio, em
contraponto com o longo vestido preto, vermelho e branco a flutuar em
múltiplas figuras de tecido ondulante.
Sentia-me nu dos pés à cabeça e ela
aproximou-se de mim, subserviente, as mãos estendidas segurando uma
taça e um pote de chá, ambos quentes, o fumo a subir curvilíneo, cheio, no ar
gélido.
Senti um prazer momentâneo, uma corrente
que atravessou o meu corpo e galgou o espaço entre mim e a mulher mecânica. Entrevi,
nos folhos do topo vermelho do vestido, um pouco da curva do seu pescoço, alvo,
jovem. O meu olhar demorou-se na imagem, ao ponto de ela e eu termos parado o
tempo e a floresta, cada gotejar do gelo a derreter durando uma eternidade.
Senti a manta quente a repousar nos meus
ombros e deliciei-me com o cheiro familiar da minha mãe. Apenas o peso das mãos
sublinhou a sua presença, por detrás de mim.
Estava sozinho e apressei-me a compor-me
para sair da clareira verde e castanha, da floresta que continuava gélida. Deixei
a manta no chão, tapetado de folhas e frutos mortos, e dirigi-me para fora, para
o fim da floresta, onde demorei a chegar.
No fim da caminhada encontrei outra
floresta e entrei, convidado pelo som de um bule a aquecer e de chá a ser vertido
na chávena fumegante.
Chá
e Amor é o meu 4.º livro
de Yasunari Kawabata, o nobelizado
escritor japonês, falecido por suicídio em 1972. Não há nada de surpreendente
na beleza e delicadeza das palavras que este escritor nos oferece, prendas que
desembrulhamos com demora. Cada livro é cheio de silêncio, de emoções contidas,
fortes e cheias, de sensualidade que nos parece, a nós latinos, tão estranha.
Tão poucas palavras num livro, para descrever tão plenamente um mundo, talvez
apenas o do escritor.
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