Uma BD aqui, outra BD ali, 20

Há quem diga que os floppies estão a morrer - panfletos, como lhes chama um amigo; comics, como todos os conhecem. Espero que não porque adoro devorá-los! É um prazer que rezo para nunca acabar. De vez em quando, escrevo umas breves palavras sobre alguns que gostei. Só isso: gostado. Não são nem melhor nem pior que outras coisas.

Justice League: No Justice números 1 a 4 de vários (DC Comics) e Amazing Spider-Man número 800 de vários (Marvel)


Os leitores de BD debatem-se com a questão do que é mais importante: a escrita ou o desenho. É uma variação do que é melhor para a pizza: a massa ou o que vai para cima dela. Este debate leva a situações interessantes, como o facto de na França o nome do desenhador aparecer primeiro que o do escritor e nos EUA ser o contrário.
Obviamente que este filosofar tem raízes profundas no processo de criação artística, bem como na dicotomia Arte vs Negócio, mas não vamos aqui escrever sobre essas considerações. O nosso postulado é o cobarde (ou racional, um dia descobrimos qual): os dois são importantes e tudo depende do talento envolvido. É por isso que decidimos falar, conjuntamente, destas duas BDs.

Se tínhamos alguma dúvida de que o desenhista faz a diferença, foram completamente eliminadas com a publicação destes dois títulos. Nos EUA, a produção de BD é um pouco mais industrial do que em França, por exemplo, principalmente quando falamos de super-heróis (nem sempre, claro, mas algumas vezes). Interessa que os livros saiam no tempo planeado, em detrimento de outros factores. O desenhista é sempre, nesse contexto, o elo mais fraco, já que a sua produção é, naturalmente, mais lenta. Admitindo que a ética de trabalho é mais ou menos uniforme, é necessário muito mais tempo deste do que do escritor para produzir o mesmo número de páginas. A combinação destes factores determina a qualidade final, não tenhamos dúvidas.

Justice League: No Justice é escrita a várias mãos, as de Scott Snyder, James Tybion IV e Joshua Williamson, mas foi publicitado que teria apenas um desenhista, Francis Manapul. Esse foi um dos chamarizes da série. Infelizmente, o artista apenas desenha um número completo, o primeiro, acabando mesmo por nem contribuir para a maior parte das páginas de No Justice. E a qualidade da história sofre com esse facto. Manapul tem o traço e a visão para a escala cósmica dos eventos retratados, e os desenhistas que se lhe seguem ficam muito aquém do seu talento. Na busca de entregar a tempo e horas a mini-série, a DC acaba por fornecer ao leitor um produto muito abaixo da qualidade esperada. Não ajuda o facto de a história ser derivativa e desnecessariamente complicada, cheia de pseudo-física de super-heróis não particularmente bem executada (e até adoramos esta pseudo-ciência). Contudo, nas mãos e talento de um artista como Manapul, o primeiro capitulo é bastante mais comestível. Os restantes são apenas interessantes. A compra obrigatória vale por ter sido publicitada a leitura essencial no contexto da macro-história da cosmogonia DC, de aparecer na sequência do mega-sucesso que foi Dark Nights: Metal e de ser uma prequela para o trabalho de Snyder na Liga da Justiça. Mas isso apenas não faz uma boa obra de entretenimento.

O mesmo acontece com o histórico número 800 da revista Amazing Spider-Man, que culmina a história Go Down Swinging, o fim de uma épica sequência de números escritos por Dan Slott. É o derradeiro confronto entre o herói e o seu maior adversário, Norman Osborn, agora conhecido como Red Goblin. Os primeiros três capítulos eram integralmente desenhados por Stuart Immonen, mas neste, devido ao elevado número de páginas (80), o desenhista dividiu trabalhos com outros colegas. Todos são particularmente talentosos, mas o ritmo imposto nos números anteriores pela arte e breakdown de Immonen é totalmente quebrado por esta escolha. A sensação de perigo, de escala, de velocidade vertiginosa, perde-se em boa parte do número. E a história acaba por sofrer.

Ambos estes títulos são a prova de que é preciso uma colaboração estreita entre escritor e desenhista para fazer nascer um livro de BD exemplar. Colaboração e talento. E, já agora, são também a prova que deveremos sempre esperar pelo final para julgar os méritos de uma história (o mal de quem acompanha floppies). 

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