Uma BD aqui, outra BD ali, 2

Há quem diga que os floppies americanos estão a morrer (panfletos, como lhes chama um amigo; comics, como todos os conhecem). Eu cá espero que não porque adoro agarrá-los e devorá-los! É prazer que rezo para nunca acabar. Assim sendo, de vez em quando, vou escrever umas breves palavras sobre alguns que gostei de ler. Só isso. Gostado! Não são melhores nem piores que outras coisas.

Doomsday Clock número 2 de Geoff Johns e Gary Frank (DC Comics)

Esta é daquelas BDs onde os apreciadores dividem-se. Escrita por Geoff Johns e desenhada por Gary Frank, é uma assumida sequela da "maior BD de sempre", os Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons. Este tipo de genealogia leva a que seja necessária uma enorme coragem - ou um gigantesco ego -  para prosseguir com a intenção. DClock vem também na senda do conceito-chapéu do universo de super-heróis da DC, DC Rebirth, iniciado em 2016 pelo próprio Johns e que tem como intenção reabilitar a esperança e a luminosidade dos homens de collants da editora. Assim sendo, esta mini-série de 12 números junta o universo distópico e realista dos Watchmen com a fantasia dos super-heróis DC, procurando uma análise de ambos à luz de cada um deles. Se os Watchmen eram uma reflexão, entre outras, sobre o que significa o conceito de super-herói, usando, para isso, arquétipos baseados no Super-Homem, no Batman, na Mulher-Maravilha, este DClock junta a matéria prima original com os análogos para uma análise meta-textual de ambos. Vou ser claro, Geoff Johns e Gary Frank não são Moore e Gibbons e esta mini-série não parece querer trilhar a mesma complexidade temática. Não é também - e de todo - só entretenimento, seguindo uma via mais reflectida e filosófica que espelha as preocupações dos autores. Por outro lado, Johns parece querer tecer uma complexa tapeçaria para o Universo DC, o que se pode depreender pelas quatro páginas de texto de noticias que fecham este segundo capítulo. É uma ambição interessante e cativante que, se der os frutos certos, poderá transformar este DClock numa obra seminal. A qualidade global desta história será difícil de avaliar antes da última página, o que acontecerá apenas daqui a dez meses, mas estamos num excelente começo. Até lá, mal posso esperar por cada novo número do que espero ser uma obra que, não sendo os Watchmen, fique, pelo menos, na sua sombra - o que não é um mau lugar onde se estar.

Hawkman Found número 1 de Jeff Lemire e Brian Hitch (DC Comics)

Não sei qual a razão porque gosto tanto do Hawkman. Será por causa de uma BD que li há muitos anos, The Shadow War of Hawkman, ou da sequência de histórias de Geoff Johns? Exista algo na mitologia da personagem que me atrai. O arqueólogo-guerreiro, o super-herói com asas ao estilo Conan, a história de dois amantes destinados a morrerem e ressuscitarem eternamente. Eu acho que acho que isto é material de primeira para um grande filme. E para uma fabulosa BD. Fiquei com pena que Johns tivesse abandonado a sua história a meio e adorava que James Robinson (do maravilhoso Starman) o escreve-se (com Rags Morales a regressar ao desenho do herói). É daquelas personagens que a DC possui no seu catálogo e que é repetidamente mal aproveitada - leia-se, mal escrita. Pode ser que seja desta. Hawkman é peça central da saga Dark Nights - Metal, de Scott Snyder e Greg Cappulo, e este especial procura dar algumas respostas (spoiler) à última página do número quatro dessa série. Infelizmente, apesar de bem executado pelos autores, respostas não são muitas. Não é de estranhar. Snyder já repetiu que toda a história está contida nas páginas da sua série (o que me parece muito bem). Apesar de ser um número apenas razoável mas bem feito, fica a esperança de que Hawkman venha a ver melhores dias, nas mãos de autores capazes de o levar às alturas (pois, estava mesmo a pedi-las) que ele merece.

Spider-Men II números 1 a 5 de Brian Michael Bendis e Sara Pichelli (Marvel)


Esperei que tivessem saído os cinco números desta mini-série para a ler de uma assentada, o que fiz em menos de trinta minutos - acho que alguns autores e editoras exageram na síntese (não que a qualidade se meça ao metro de palavras). É a sequela de uma primeira que une as duas personagens que actualmente usam o nome de Homem-Aranha no universo da Marvel: a versão que todos conhecemos e amamos, Peter Parker; e a criada  por Bendis, Miles Morales. Miles vem de uma terra paralela que, entretanto, fundiu-se com a "nossa" (sim, super-heróis é isto). Essa outra Terra fazia parte de uma linha editorial da Marvel que começou no início do século XXI chamada Ultimate e que procurava cativar novos leitores ao reiniciar a história do Homem-Aranha, dos Vingadores, dos X-Men, do zero, com novas versões e novas histórias. O trepa-paredes foi exclusivamente escrito por Bendis (sim, desde há 17 anos). A início era uma versão de Peter Parker mas, entretanto, morreu e foi substituído por Morales. As duas terras fundiram-se no evento Secret Wars e agora coexistem no mesmo universo (agora voltem a ler isto sem se rirem). Esta mini-série parece servir vários propósitos e todos ligados ao legado de Bendis na Marvel. Independentemente de se gostar ou não, este autor marcou o século XXI da editora, com histórias, conceitos e personagens que oscilaram entre o entusiasmante e o sofrível. Dois deles foram, sem dúvida, o Homem-Aranha Ultimate e o universo onde estava inserido. Antes de sair para a DC, o escritor parece querer deixar alguma arrumação na casa e uns presentes-surpresa aqui e acolá. As últimas páginas de Spider-Men II são exactamente isso. Abre portas que se julgavam fechadas e deixa o trabalho para os que quiserem aproveitar. 

De resto, é uma união de dois personagens ímpar, num confronto pessoal mas, em última análise, redundante. Muito mais interessante é o tratamento que Bendis faz aos antagonistas, dedicando-lhes um capítulo inteiro para explicar motivações, personalidades, etc. Esses, sim, são os verdadeiros heróis desta mini-série. Quem lê e gosta da mitologia da Marvel é obrigado a ler esta história. Os outros poderão encontrar interesse nos vilões mas pouco mais.

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