O que vou lendo! – East of West vol. 4, Sex Criminals vol. 2 e The Wicked + The Divine vol. 2



Para quem lê Banda Desenhada dos EUA é hoje impossível escapar ao peso da Image, a editora independente que tem, paulatinamente, começado a dar cartas. Apesar de haver iniciado a sua actividade nos princípios da década de 90, em pleno boom da BD, demorou quase duas décadas a mudar a agulha, desfocando-se do negócio controlado pela Marvel e DC, o dos super-heróis, e preferindo o trabalho de autor. Nos últimos anos, inaugurou uma relação com os criadores que modificaria não só a sua actividade e o seu catálogo, como também o modo como toda a 9.ª Arte dos EUA ver-se-ia. Obviamente que o sucesso dos filmes e séries de TV ao estilo BD (como The Walking Dead, por exemplo, que pertence à Image), com todas as compartidas financeiras daí advidas, estimulou uma nova aproximação, mas não só. Por um lado, os criadores estão a ficar cansados que as suas histórias, por mais bem recompensadas que sejam, não fiquem como propriedade intelectual sua. Exemplos como o de Jack Kirby ou dos criadores do Super-Homem foram rastilho para uma posição menos inocente. Por outro lado, a narrativa dos super-heróis, querida a muitos, sem dúvida, começa a ser vista como não sendo a única capaz de atrair a atenção do público. Assim, movimentos que já existiam há décadas consolidaram-se recentemente e adquiriram uma dimensão nunca conhecida nos EUA. E a Image é um dos maiores porta-estandartes deste novo paradigma.

Qualquer uma das três BD’s de que falo neste post é não só exemplo da “filosofia Image” como da qualidade e idiossincrasia dos autores envolvidos. Apesar de muitos criadores dos EUA ainda terem alguma dificuldade em sair da arena da Fantasia e mesmo de alusão tangente ao super-herói, as três obras conseguem abordagens e temáticas tão díspares quanto o são as personalidades dos autores. East of West de Jonathan Hickman e Nick Dragotta continua, junto com a famosa Saga de Vaughan e Staples, a ser uma das maiores e mais relevantes publicações da Image, não só por ter sido das primeiras desta nova cara da editora como também por se haver destacado em qualidade e diferença. Hickman desenhou uma Terra cuja história é bastante diferente da nossa, numa mistura de Mad Max com o relato bíblico do Apocalipse. Um dos fortes não é só o enredo mas a épica linguagem de Hickman. Os seus personagens não debitam apenas palavras mas frases de impacto shakespeariano, infinitamente citáveis (já aqui o fiz). Esta é daquelas obras que apenas podia ser feita em BD, pela escala operática, pelos diálogos grandiloquentes e pelas situações maiores que vida.

Não que The Wicked + The Divine de Kieron Gillen e Jamie McKelvie fique atrás de East of West em escala e “citabilidade” (também já o fiz aqui). Mas ao contrário da primeira, a obra de Gillen e McKelvie vem de um lugar mais reconhecível, de uma geografia mais próxima. Enquanto East of West é deliciosamente estranho, The Wicked + The Divine faz lembrar coisas como Sandman, se escrito para os “millenials”. Apesar dos deuses que reencarnam em corpos de adolescentes de 16 anos para morreram daqui a dois, a leitura é feita pelos olhos deste início de século XXI, numa cultura de ausência de privacidade, de distância dos pais, de fama e atração pelo abismo do glamour. Contudo, a análise de Gillen vai mais longe do que no simples destilar do zeigeist e dos trejeitos da adolescência “milenar”. Eles são analisados mas também são protagonistas. Os autores não se limitam a ser observadores ao estilo National Geographic, antes participam e escalpelizam, virando a sua capacidade de análise para o interior e exterior da história. Isto porque qualquer narrativa digna desse nome não deve cingir-se ao singular mas também explorar o plural sob a lupa do microscópico.

Finalmente, o OVNI que é Sex Criminals de Matt Fraction e Chip Zdarsky. A premissa se não sabem, deveriam: existem pessoas que, quando atingem o orgasmo, param o tempo. Literalmente. Sim, o conceito é estranho, kitsh e, para sensibilidades mais ténues, a roçar o mau gosto. Uma espécie de Filme de série Z (ou XXX, se quiserem). Mas Fraction e Zdarsky não descansam nos louros do impacto inicial. Sabem que não basta um “alto conceito” para conduzir a narrativa. Sem perder um átomo da beleza e da provocação (estamos a falar dos EUA, um país com uma relação curiosa – aos olhos de um europeu - com o sexo e violência), conduzem a história não só para uma análise das complexas personalidades dos dois protagonistas, como para os problemas da sexualidade, numa óptica adulta, desenvolvida e robusta (se podem considerar robusta esta análise pop da questão). Este segundo volume afasta-se um pouco da questão fantástica e foca-se na complexidade ética e moral das situações e personagens, ganhado em peso e corpo.


Três livros, três vitórias da Image. A continuar assim, a Marvel e a DC que se ponham em bicos de pés porque têm um concorrente à séria.

2 comentários:

Optimus Primal disse...

Boas sugestoes,mas Dc nao sua muito tem a linha Vertigo e a Marvel a Icon,para alem dos univeros de Supers.

SAM disse...

Obrigado, Optimus pelo comentário. É sempre bom ouvir dos leitores do Blog.

Sim, a DC e a Marvel apostam em outras narrativas que não apenas as de super-heróis mas numa escala comparativamente menor. E, nesse sentido, a DC aposta muito mais que a Marvel, principalmente nos 20 e tal anos de Karen Berger na Vertigo. A Marvel tem sempre apostas muito tímidas. A Icon é um bom exemplo mas, infelizmente, só a reservam para artistas que já trabalham nos super-heróis. Sinceramente, acho que o core-business da Marvel, e muito mais que a DC, foram,são e sempre serão os super-heróis e os 50 anos da sua existência assim o provam. Mesmo quando tentam narrativas diferentes (Marvel Knights, MAX, etc) ou é com super-heróis em histórias "mais adultas" ou com variantes da temática. Tiveram uma experiência interessante na década de 80 com a Epic Illustrated mas, infelizmente, não durou para sempre.