O que vou lendo! Uncanny X-Force e Powers


Uncanny X-Force: Final Execution Volume 1 de Rick Remender (escritor) e vários desenhistas

Esta é daquelas BD que fazem parte do grupo das intermináveis telenovelas super-heroísticas ou, traduzindo para geekguês, uma história inserida na continuidade omni-narrativa dos mutantes do universo Marvel. Se pouco perceberam da última frase fazem parte do primeiro grupo de pessoas, os leigos, e nesse caso aconselho a passarem para o próximo item. Caso continuem depois deste aviso à navegação, fiquem a saber que este livro está inserido na telenovela dos X-Men, talvez a mais complicada no universo dos super-heróis.

Este volume corresponde ao penúltimo da saga que foi contada até recentemente por umas das estrelas em ascensão do universo da continuidade de super-heróis da Marvel, o escritor Rick Remender, cuja carreira explodiu exatamente com esta série, que relata o labirinto moral em que se encontra uma equipa de mutantes mais - digamos - pró-ativos e definitivos na perseguição aos inimigos figadais do homo superior (Homo Superior ou Mutantes, de que os X-Men são os máximos representantes, são o passo seguinte na evolução da humanidade de acordo com a Marvel). Liderados pelo famoso Wolverine, desde o primeiro volume (The Apocalypse Solution) que se veem emersos numa moralidade dúbia que parte da já antiga e popular questão “se pudesse voltar atrás no tempo e matar Hitler, fá-lo-ia?”. Ainda que esta pergunta tenha repercussões filosóficas mais abrangentes, como a que postula que nada ocorre por acaso, essas questões são aqui inseridas numa narrativa de entretenimento sem descurar um lado mais erudito, o da tragédia clássica, em que o Fado nos dita o caminho mesmo que dele pensamos estar a escapar, em que o filho persegue o pai, numa tentativa edipiana de cortar com esse inexorável.
Com tudo isto parece que estou a conduzir-vos a ler uma peça de teatro clássica e trágica mas, e ainda que haja muito sangue e assassinatos, ler Uncanny X-Force de Remender torna-se uma tarefa impossível para quem não tem doutoramento honoris causa em questões mutantes. Apesar desta sua característica, trata-se de uma história muito bem contada (pelo escritor e pelos diversos desenhistas) e com um destino que é visivelmente planeado (coisa rara), demonstrando uma maestria acima da média na arte narrativa, o que decididamente faz-me regressar coleção após coleção. Excelente para entendidos. Um pouco (muito) confusa para os mais afastados destas questões.

Powers: Gods de Brian Michael Bendis (escritor ) e Michael Avon Oeming (desenhista)

No espectro oposto da acessibilidade podemos encontrar este Powers de Brian Michael Bendis e Michael Avon Oeming que, apesar de corresponder ao 14.º volume da série, não sofre do mesmo tipo de doença que o anterior livro abordado. Powers foi inicialmente publicado pela editora independente Image (a mesma de Invincible e The Walking Dead de Robert Kirkman), mas quando Bendis passou a ser um regular contribuidor para o universo dos super-heróis da Marvel (leia o artigo Maxim em que abordo parte desta fase) transferiu a série para a imprint Icon, onde autores de renome da casa-mãe poderiam publicar projetos mais pessoais.

Powers relata a vida de um detective para a polícia metropolitana de uma cidade sem nome, Christian Walker (nome curioso, não?), antigo Poder (nome dos seres sobrenaturais deste universo) ex-super-herói, encarregue da investigação de casos relacionados com a atividade e homicídios na população dos homens e mulheres de capa que pululam este mundo fictício. Com ele trabalha Deena Pilgrim, problemática e eficiente detective, uma pouco doce mulher num mundo de excesso de testosterona.

Neste volume, o caso em que estes dois personagens e toda a panóplia de coadjuvantes se vê na necessidade de resolver faz parte daqueles grandes conceitos que amiúde aparecem na BD: um serial killer de Deuses. Alguns membros do panteão dos deuses gregos da antiguidade começam a ser sistematicamente assassinados de forma similar, grotesca e não desprovida de requintes de malvadez. Porquê e Quem são sempre as questões mais importantes de todas as boas histórias de detectives e , neste caso, a resposta reflete a natureza destes deuses, conhecidos pelos seus excessos muito humanos, já que, para os antigos Gregos e na sua gigante Mitologia, poucos eram os idolatrados diferentes dos idólatras. Para este povo, o Criado era verdadeiramente feito à imagem do Criador, uma metáfora da realidade oposta. Esse posicionamento ideológico é sabiamente colocado por Bendis ao introduzir uma nova companheira para Walker, que funciona como uma das vozes questionadoras deste conto, ao perguntar, por diversas vezes, “num mundo de Poderes porque é que estes, especificamente, se apelidam de Deuses?”.

Ainda que não percam nada em ler todos os anteriores treze volumes de Powers, não acredito que o leitor causal tenha qualquer problema em entrar no enredo, rico, noir, que é o desta 14.ª coleção. Mas custa menos se entrarem pelo primeiro volume, “Who killed Retro Girl?”

Sem comentários: