O que mais gostei de 2016! Super-heróis DC e Marvel, primeira parte

No mundo dos super-heróis das duas maiores editoras do género, este foi um ano de Renascimentos e Guerras Civis. São já banais os eventos "world-shattering" e "reality-unraveling", ao ponto dos fãs (pelos menos os mais velhos... como eu) os receberem com uma elevada dose de cepticismo. Bem vistas as coisas, quando uma saga tão sísmica como Crise nas Terras Infinitas de 1986 (spoiler) pode ser desfeita em Convergence então tudo é possível. Ou seja, por maiores que sejam as mudanças sabemos que, mais tarde ou mais cedo, tudo volta ao seu estado anterior - poderá é demorar décadas. É a natureza dos super-heróis da DC e da Marvel: quanto mais mudam, mais permanecem iguais. Dito isto, este ano teve os seus altos e baixos, como é natural, e na rubrica O Vício do Mês fui dando-vos conta das minhas leituras da Eterna Novela - não sei se alguma vez chagaram a esta conclusão, mas as telenovelas brasileiras são coisa de meninos comparadas com as dos super-heróis que permanecem, algumas, há sete décadas. Depois de tantas e tantas páginas existe sempre a vontade de fazer um balanço do que mais gostei de ler. Sendo assim, bem vindos às leituras com que mais delirei em 2016 no mundo dos super-heróis da DC e da Marvel.  Começo pelos maravilhosos mas não celestiais. 

As muito, muito, muito, excelentemente boas


Cave Carson has a Cibernetic Eye (DC Rebirth) - Começou há apenas dois meses mas já reside, quentinha, no meu coração. A imprint Young Animal, da DC, promete ser uma Vertigo para esta segunda década do século XXI e a história do explorador das profundezas da crosta terrestre é um dos seus melhores títulos. Cave Carson faz parte daqueles personagens deliciosamente nostálgicos da DC das décadas de 50 e 60 que, com um twist moderno, transformam-se em algo que os autores podem explorar, ao mesmo tempo, o seu lado infantil e esotericamente adulto. O trabalho de Jon Rivera & Gerard Way, na escrita, e Michael Avon Oeming, no desenho, é, até o momento, cheio de intriga, mistério e uma pitada de noir

Dr. Strange (Marvel) - Quem diria que um dos mais antigos mas menos utilizados dos personagens da Marvel teria o sucesso de que goza hoje em dia? Existe desde da década de 60, criado por Steve Ditko e Stan Lee, os mesmos que deram ao mundo o Homem-Aranha, mas sempre teve dificuldades em suster uma revista mensal. Por causa disso, passou a ser utilizado como membro de grupos de super-heróis (Defensores e Vingadores) ou como recurso Deus Ex-Machina para eventos místicos ou outros tão catastróficos que teriam de ser resolvidos com um passe de mágica. Mas o impossível aconteceu e Jason Aaron junto com Chris Bachalo injectaram não só nova vida mas legítimo interesse no universo místico do Dr. Estranho. Para isso recorreram não só às roupagens normais das aventuras do Mestre das Artes Místicas mas também ao humor e excentricidade típicos de Jason Aaron, que nos deu também algumas das melhores aventuras dos X-Men e de Thor.

Ms. Marvel (Marvel) - quando alguém como eu, que já lê super-heróis há quase quatro décadas, consegue ficar entusiasmado com um personagem novo, alguma coisa poderá estar a correr bem. Kamala Khan é, ao mesmo tempo, parte do molde Marvel e também um (muito mais que) piscar de olho a este mundo novo de diversidade étnica e cultural - ou melhor, sempre existiu mas só agora lembraram-se de reconhecê-lo. Kamala é uma jovem muçulmana a viver em Nova Jérsia e também uma amante da velha filosofia dos super-heróis: fazer o bem e salvaguardar os fracos. No que a mim diz respeito, esta mensagem deverá sempre ser incentivada e sublinhada porque o cepticismo do mundo a isso o obriga. Criada por Sana Amanat, Stephen Wacker, G. Willow Wilson e Adrian Alphona Ms. Marvel é uma necessária lufada de ar fresco - e, para os mais pseudo, vejam lá que até ganhou prémios em Angoulême (já a podem ler, estão autorizados).

Scarlet Witch (Marvel) - A início não esperava muito mas o trabalho de James Robinson na escrita, de quem guardo boas recordações do maravilhoso Starman, espicaçou a curiosidade. A uma escala (infelizmente) menor, o autor está a fazer com a Feiticeira o mesmo que fez com o Homem das Estrelas. Não esquece o passado, antes o utiliza para moldar um futuro brilhante e interessante, cheio de idiossincrasias que não se sabia fazerem falta a este personagem. Ao mesmo tempo, usa os talentos de diferentes desenhistas em cada capítulo, para cada utilizando um estilo e aventura adaptadas, sem perder o fio da meada da história principal. O único defeito é que o plano final de Robinson, neste século de tanta oferta, não excede a vintena de capítulos.

Spider-Man (Marvel) - se existe um título que deve tudo ao escritor Brian Michael Bendis é este. Começou quando ainda fazia parte do universo alternativo Ultimate, com uma versão moderna, século XXI, de Peter Parker. Seguiu (spoiler) com a morte deste e a continuação do legado com Miles Morales, o novo Homem-Aranha do universo Ultimate. Depois de Secret Wars, este universo fundiu-se ao "normal" e Morales passou a ser parte integrante de uma herança de décadas. A linguagem é a mesma há 16 anos. O sentimento é o mesmo. Não poderia ser outro porque é o mesmo escritor desde 2000. Não há novidade, certo, mas há qualidade, coração, e o trabalho de um escritor que ama os personagens como seus filhos - e que o são. Se existe um trabalho "de autor" dentro do universo Marvel este é um deles.

Spider-Woman (Marvel) - outra surpresa à lá Dr. Strange. Um personagem que viu uma recuperação na primeira década deste século graças a Bendis mas que outros autores agarraram para este versão mais recente: Dennis Hopeless na escrita com Javier Rodriguez e Veronica Fish no desenho. Rodriguez é responsável por alguma da melhor estética e design da BD nos últimos tempos, principalmente nos cinco primeiros números deste título. Hopeless excede-se na escrita, conseguindo trazer, de forma carinhosa, os dramas de uma mãe recente ao mundo dos super-heróis. Disso o melhor exemplo é o número cinco: aliás, um dos meus favoritos do ano. Ao desenhista Rodriguez segue-se Veronica Fish que já conseguiu um capítulo 12 muito bom e que promete para o futuro.

Superman (DC Rebirth) - não é a versão New 52 mas a da DC Rebirth (a primeira vou, educadamente, esquecer). Tomasi, Gleason e Manhke estão a conseguir algo que parecia impossível acontecer: tornar interessante a vida de um Super-Homem pai. Esta versão do Homem de Aço é aquela com que cresci, a da pós-Crise, a casada com Lois Lane e, agora, com um filho, Jon Kent, uma versão nova do Superboy. A série não deixa de estar no centro do mistério DC Rebirth mas, ao mesmo tempo, dedica-se a desenvolver a relação pai/filho e a personalidade do segundo, já um dos mais divertidos novos personagens da DC. Aventura, ternura e mistério. Nada mau para um Super-Homem já com 75 anos.

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