Mulher! Oiçam-na rugir!


Este não é um panfleto feminista. Nem tampouco machista. Não é um testemunho de alguma novidade de que me apercebi antes de qualquer outra pessoa. Não é, sequer, uma novidade. Felizmente. É um agradecimento. A três mulheres. A Adèle Exarchoupoulos. A Emmanulle Seigner. A Nina Hoss.

Vê-las nos três filmes de que mais gostei de 2013 foi um prazer que excedeu a minha condição masculina, a de apreciador das suas belezas (leiam aqui e aqui quais são os filmes). Três idades diferentes, duas nacionalidades distintas, todas capazes de me fazer sentar sossegado na cadeira de cinema e admirar o repertório de gestos, olhares e emoções, o esgrimir de palavras com que magistralmente erigiam os seus personagens, tão cheios de vida, da mundana, sem artifícios, sem maquiagem, apenas elas, cheias de si e dos seus olhos e dos seus cabelos. Cabelos? Sim, cabelos! Nunca pensei que o cabelo de Adèle, mesmo que meloso, desgrenhado, amontoado caoticamente por cima da cabeça, pudesse compor um personagem. E também o de Emmanuelle que, inteligentemente, manipula os preconceitos e os desejos de um homem, moldando-os aos seus, enquanto o encaminha pela rede que ele próprio pensava tecer, mas não, era ela. E Nina, a calada médica residente de uma histórica Alemanha de Leste, esta não tanto uma sedutora mas uma pensadora – e por isso também sedutora. Todas as três levantam-se da altura da sua condição humana, seres imensamente físicos com sentimentos imensamente mundanos.

Nenhuma delas precisou do artifício da maquilhagem, todas fizeram valer o que a natureza, generosamente, lhes deu e lhes privou. Não houve a mais, mas também não houve a menos e não existiram duplos. As suas belezas (e que grandes são) não eram maiores que a vida, a não ser a grandeza que o enquadramento, a história, o diálogo e os seus talentos puderam dar. E mesmo essa grandeza era tão parecida com tantas outras, ao mesmo tempo que diferente.

Três mulheres. Três aspetos do género. A jovem. A sedutora. A ponderada. A jovem chora copiosamente, sal das lágrimas a misturar-se com o chocolate na boca, mescla de sabores de tal forma intensa que sentimos tudo, a tristeza, o abandono, o salgado, a volúpia, a doçura. A jovem ama e beija de lábios cheios e bem abertos, esfomeados, pelo futuro mas, principalmente, por si e pela outra. A sedutora já passou por tudo e já experimentou todos. Inteligentemente apropria-se dos dissabores e preconceitos daquele que um dia poderia ter sido o seu predador. Apropria-se e aproveita-se. Não para benefício próprio mas para prejuízo didático do outro, ele a vítima. Como uma deusa, como uma bacante, ela julga e devora tudo à sua volta. A ponderada escolhe o caminho certo, após a sobriedade da experiência e da reflexão, pesa o essencial face ao acessório, ao sacrifício necessário para que a jovem sobreviva, neste ciclo que não é ciclo nenhum - exceto aquele que esforço-me para ver.


Ao mesmo tempo, tenho tantos medos que se deixem deslumbrar por luzes mais fortes, por maquilhagens mais perfeitas. Verdade que a Seigner e a Hoss já andam nestes mundos há tempo demais para se deixarem facilmente impressionar, mas a Exarchoupoulos é ainda tão nova. Vá lá, Adèle, continua, sem artifícios, sem máscaras, a construir pessoas diferentes de ti. Que estas três mulheres sejam sempre presenteadas com edifícios da altura que merecem. Que lhes surjam outros Kechiche, Polansky e Petzold, porque elas merecem. E nós também.

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