É sempre difícil falar do que melhor se fez em qualquer Arte num determinado período de tempo. Mais ainda nos dias de hoje, com tanta oferta. Por isso, prefiro sempre falar do que mais gostei, dentro do que tive oportunidade, tempo e conhecimento de ver. A Série de TV, mais ainda neste tempo de pandemia e de confinamento, é um escape perfeito que permite o esquecimento destes tempos estranhos e conturbados. Dentro do nosso lar, temos acesso a uma enorme quantidade de opções que permitem tudo, desde o escapismo à reflexão. E as plataformas de streaming, que são muitas, facilitam esse consumo. O que vos escrevo não é publicidade a estas plataformas, mas um elogio aos artistas que criaram as minhas séries de TV favoritas deste primeiro semestre de 2020 (com uma ou duas batotas).
Começo pelas "antigas", as que existem há algum tempo e que permanecem excelentes. É o caso da 4.ª temporada do desenho animado Rick & Morty (Hulu/Netflix), um imaginativo delírio de ficção científica. Subversivo, sujo, depravado, incrivelmente divertido e original. As aventuras multi-universais, cósmicas e pan-dimensionais do uber-génio que é o cientista Rick e do seu neto Morty, pouco corajoso e inteligente, não conseguem cansar. São sempre poucos os episódios produzidos por temporada, mas cada argumento é minuciosamente lapidado, para não perder um átomo de interesse e não correr o risco de repetir-se. Outra que não será nova para muitos é o The Ozark (Netflix), da qual ainda só vi as duas primeiras temporadas. Se queriam o herdeiro nascido do casamento entre Breaking Bad e uma qualquer sitcom sobre famílias, têm esta série. Um pai lava dinheiro para um cartel de droga como modo de vida. Depressa, e como não poderia deixar de ser, esta situação descamba para o sangue e para a violência. A família aprende que tudo tem um preço, numa reflexão, por vezes hiperbólica (talvez a maior falha da série, a falta de subtileza), da natureza humana.
No reino do fantástico, um estilo que me é querido, destaco a primeira temporada de Dracula (BBC One/Netflix), da qual já falei aqui, e de The Russian Doll (Netflix). Esta última é uma viagem surreal pela existência de uma mulher solteira de Nova Iorque, enquanto revive, ao estilo do filme Groundhog Day, o dia da sua morte. Em cada episódio pode morrer uma, duas ou múltiplas vezes, enquanto tenta descobrir o porquê desta estranha ocorrência. Vale não só pelo delicioso argumento, mas também pela excelente protagonista, toda ela uma personagem, Natasha Lyonne.
Em espectros opostos, destaco Devs (FX/HBO) e The Great (Hulu/HBO). A primeira é uma mini-série de oito episódios realizada por Alex Garland, autor dos filmes Ex-Machina e Annihilation. Garland volta a navegar as águas da ficção científica cerebral, ao estilo de Kubrick ou de Vileneuve. Num futuro muito próximo, um homem que evoca Mike Zuckerberg ou Steve Jobs, inventou um algoritmo revolucionário que tem tudo para modificar o mundo. Misturando murder mystery, Garland aventura-se por percursos reflexivos e surreais, numa série que é, em igual medida, perturbadora e recompensadora. The Great, por sua vez, viaja para o passado da corte russa e dos primeiros passos de Catarina A Grande, interpretada por Elle Fanning. Toma várias liberdades com os factos históricos (como, aliás, refere no genérico inicial), mas revela um lado humorístico profundamente divertido. Destaque para Nicholas Hoult, no papel de Pedro, o Rei que Catarina desposa, numa interpretação exuberante e hilária - a palavra Huzzah! nunca foi tão divertida.
Last but not least, as séries que são um pouco de batota, mas talvez as minhas favoritas dentre as favoritas, daí ver-me obrigado a incluí-las: I May Destroy You (BBC/HBO) e Trigonometry (BBC2/HBO). A primeira encontra-se a meio caminho da 1.ª temporada. Qualquer revelação só vos irá tirar o prazer de a descobrir, mas fica o elogio a uma série realista, actual, sobre consentimento, sobre sexo, escrita de forma exemplar pela protagonista e realizadora, Michaela Coel. Um dos maiores triunfos humanos deste ano. O mesmo elogio pode aplicar-se a Trigonometry. Esta é a história sobre Amor, mas pouco convencional. É a história de três pessoas, duas mulheres e um homem, apaixonados e numa relação poliamorosa. É a história de como os sentimentos avassaladores derrubam barreiras e arrastam os que as têm de as derrubar para uma espiral de emoções novas, estranhas e difíceis. Cada episódio é um testamento à arte superior dos escritores, dos actores e das realizadoras. A exploração da novidade, do desajuste às convenções sociais, é feita de forma madura, complicada e confusa, como a vida adulta deve ser explorada. Não existem aqui seres super-poderosos, mas as vidas destas três pessoas exige mais coragem que a guerra e a resistência. A felicidade tem um preço. Tudo tem um preço. E Trigonometry é uma brilhante narrativa sobre isso - e sobre muito, muito mais. Estreou agora na HBO, mas é do início do ano, daí a pequena batota. Mas vocês irão perdoar-me depois de a ver.

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