(filme disponível na Netflix)
Alex Garland já tinha entrado pelo mundo da ficção científica com o excelente Ex-Machina (leiam neste link o que falamos sobre ele à altura, um dos nossos favoritos de 2015). Com este Aniquilação, que infelizmente não veremos nas salas de cinema, regressa, mas para um projecto ainda mais ambicioso em alcance narrativo e filosófico. Garland explora o mundo desbravado por grandes como Stanley Kubrick, no seu importantíssimo 2001, não no seu sentido literal, obviamente, mas na forma como aborda a temática da ficção científica e do contacto com vida extra-terrestre. Para além do génio de Kubrick, outros já inverteram para este caminho, como Zemeckis no seu Contacto ou, mais recentemente, Villeneuve no Arrival (este último um dos nossos favoritos de 2016). O realizador consegue neste Aniquilação mais um filme que poderá ficar para os anais da ficção científica, como uma viagem, a principio relativamente linear mas depois surrealista, e como um elogio às potencialidades deste tipo de narrativa, que continua a dar provas da sua perenidade pela força das histórias.
Um fenómeno extra-terrestre desconhecido alterou a geografia do mundo. Uma bolha, a que chamam Fulgor, surgiu do nada e insiste em expandir-se. Várias equipas, militares essencialmente, tentaram entrar no Fulgor, para nunca mais regressar. Um desses militares é o marido da personagem de Natalie Portman, Lena, bióloga, que insiste em fazer parte de uma outra equipa, só de mulheres e a maior parte delas cientista, para explorar a bolha. Nessa bolha (pequeno spoiler) o mapa genético de plantas e seres vivos aparenta estar num processo de mutação que implica a ligação entre espécies que nunca deveriam poder juntar-se. É impossível fazer mais qualquer tipo de exploração da narrativa de Aniquilação sem estragar parte do enredo ou sem vos dar uma interpretação do que penso ser a temática do mesmo. Por isso fico-me por aqui.
Aniquilação, à semelhança dos seus progenitores narrativos como o 2001, é um mistério. Garland soma pormenores aparentemente desconexos e permite ao telespectador a procura das respostas nas pistas que apresenta. Nada é claro no caminho explorado pelas protagonistas no interior do Fulgor. Entre momentos de rara beleza e de inacreditável terror (desafio-vos a não ficarem perturbados com o urso), o realizador explora temas como a evolução, o amor e a religião. Este último poderá parecer mais rebuscado, isto depois de verem o filme, mas entendam esta minha alusão no sentido da busca de resposta a algumas das mais importantes perguntas que nos assolam e na nossa relação com o universo à nossa volta (seja ele animal, floral ou mesmo mineral). Uma relação que quer-se mais íntima, menos isolada nos limites do nosso corpo, veículo privilegiado de contacto com o que está fora de nós. O final do filme assume-se como um outro gigantesco ponto de interrogação. Não tanto pelo que os extra-terrestres nos quiseram oferecer mas mais pelo que nós nos propusemos aceitar. Se calhar por causa disso, não será por acaso que as mulheres são as protagonistas deste soberbo filme. Elas que são o sexo original, aquele que a natureza assume por defeito. Elas que originam toda a vida.
Aniquilação é um dos grandes filmes do ano e que não vamos ver nas salas de cinema mas apenas na Netflix, o que é uma gigantesca pena. É uma narrativa desconcertante, surrealista e cativante. O 2001 de Kubrick gerou um filho. Será que a trilogia vai continuar?
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