Os mitos de Pigmalião e de Prometeu são dos mais poderosos da antiguidade grega. O primeiro é o de um homem apaixonado por uma estátua da sua autoria e que Afrodite, tocada pelo amor do escultor, decide presenteá-lo dando vida à figura de mármore. Este conto foi diversas vezes adaptado, sendo uma das mais famosas a peça de teatro Pygmalion de George Bernard Shaw que, por sua vez, inspirou o famoso filme com Audrey Hepburn, Breakfast at Tiffany's. O segundo vem da belíssima obra de de Ésquilo, Prometeu Agrilhoado, onde um titã da mitologia grega é acorrentado a um rochedo como castigo por ter presenteado a Humanidade com o dom do fogo, entrando em conflito directo com Zeus, o Deus dos Deuses, que havia proibido essa partilha. Ambos estes mitos possuem um poder que advém do alcance destas histórias, as duas relacionadas com o ato de criação e com o advento do conhecimento. Outras mitologias possuem-nos e em outras formas mas estes são dos mais perenes e poderosos, pelo menos na cultura ocidental. Ex-Machina, o fabuloso novo filme de Alex Garland, continua a escola da alusão a estes arquétipos essenciais.
Um génio recluso, dono de uma poderosa empresa informática, criou, pela primeira vez, uma inteligência artificial na forma de Ava (Eva?). Um vencedor de um concurso interno da empresa, Caleb, é convidado a partilhar desta invenção com o seu criador. A ele é dada a missão de testar a Humanidade e raciocínio da robô para aferir da verdadeira potencialidade e alcance da descoberta. Se julgam que viram já várias vezes este argumento talvez tenham razão mas, garanto-vos, não abordado desta forma. A força deste brilhante filme reside no argumento trabalhado ao ponto da interrogação. O espectador é convidado, pela sequência de eventos e diálogo de personagens (duas das armas dos contadores de histórias), a reflectir sobre o que se passa à sua frente: o que é a inteligência? o que é o amor? o que é a liberdade? o que é conhecimento? o que é o acto de criação? quais são os limites? Com apenas três personagens e um conceito de ficção científica, Garland sobe ao patamar dos grandes filmes e das grandes obras que não só divertem (também é um filme de suspense, um thriller à Hitchcock) como surpreendem pela profundidade das questões levantadas. Contudo, como também é normal nas boas histórias, feito sem ir directo ao assunto, apenas ajudando à reflexão pela forma como os eventos se desenrolam e por pequenas pistas nos diálogos (lá estão outra vez as ferramentas dos contadores de histórias).
O mistério é também uma das grande armas deste filme que se regozija em jogos de engano e subreptícia. Até aos últimos momentos, temos dificuldade em saber quem é o herói, quem é o vilão e qual o alcance verdadeiro das várias buscas encetadas pelos três personagens. esta é uma arma muito utilizada por diferentes tipos de filmes, desde o terror ao thriller, mas Garland não o faz como se tratasse de um Carnaval. As reviravoltas são tratadas de forma orgânica e discreta, deixando ao espectador atento a capacidade de deslindar as motivações por detrás das acções.
Em suma, outros dos grande filmes do ano.
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