Uma das características que distingue os realizadores que os intelectuais chamam de "auteurs" (porquê é que adoram palavras francesas?) é a repetição de um "tema" em todos os seus filmes. Pode ser um tique, uma estética e pode ser (e aí eles deliram) uma preocupação - chamemos-lhe assim. Se é desta maneira, à partida (porque nestas coisas nunca podemos ter a certeza), Mia Hansen-Løve será uma das escolhidas para esta exclusiva categoria. Vi três dos seus filmes, L'Amour de Jeunesse, Eden e agora L'Avenir, e todos, de formas diferentes, abordam os mesmos temas: o passar do tempo da Mulher ou do Homem; a maturidade ou falta dela, consequência desta passagem. Eu, por mim, adoro os filmes dela e este último não foi excepção - não sei o que isto diz de mim se vocês levarem muito a sério o que escrevi no início deste parágrafo.
No post anterior sobre o Indie escrevi que seria pena alguns dos filmes não estrearem comercialmente e não forem vistos por mais pessoas. Este é um dos melhores casos - e tenho a certeza que vai sair, já que todos os filmes de Mia Hansen-Løve apareceram nas salas de cinema fora de festivais. A realizadora, como já disse, volta a pegar em temas que a preocupam mas, desta vez, a partir de olhos diferentes, os maduros de Isabelle Huppert. Nos anteriores L'Amour de Jeunesse e Eden a autora escolhia a perspectiva de dois adolescentes, uma rapariga e um rapaz, respectivamente, e não se ficava apenas por uma vivência idílica deste tempo maravilhoso na nossa vida. Ela buscava, no passar do tempo, no esticar para lá do happy ending, documentar de forma poética mas afastada o que acontece para lá do formato cor-de-rosa de um amor vertiginoso de juventude e de uma experiência profissional de algo que adoramos fazer. Notava-se, na escolha narrativa e na escolha como realizadora, uma busca pela maturidade, do que significa na realidade. Com L'Avenir, Mia Hansen-Løve escolhe fazer o mesmo mas através de uma mulher muitos anos mais velha, casada, com filhos da idade dos protagonistas dos outros dois filmes. Esta é uma mulher a quem a vida parece correr bem até determinado momento. Até às várias viragens que lhe aparecem no caminho, mudanças inevitáveis que acabam por revolucionar um futuro que parecia certo. A realizadora coloca-se no lugar da protagonista mas também no do jovem em quem Huppert, professora de filosofia no liceu, deposita as expectativas de poder vir a ser a pessoa que ela gostava de ter sido. Mesmo em detrimento dos seus filhos e marido, cuja vida e opiniões são tão diferentes daquelas que defende e postula. No fundo, estamos a ver a mesma pessoa em três tempos diferentes: uma já como adulta (Huppert); outra como jovem idealista (o adolescente, aluno, que ela protege); a terceira, de quem não falei ainda, a da mãe de Huppert, uma ex-modelo de catálogo, que transforma a terceira idade num calvário para ela e para a filha.
Este filme é uma evolução brilhante do tal "tema" que parece existir em todos os filmes de Hansen-Løve. Um reflexão adulta e cuidada do que significa o passar do tempo, do facto de, mesmo na nossa vida, sermos apenas um dos actores. É, sem duvida, para mim, um dos melhores filmes do ano.
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