No início deste século XXI a Marvel (para quem não sabe a maior
editora de BD dos EUA), esteve a recuperar de uma catastrófica década de
90 que tinha culminado na insolvência da mesma. Encontrar todos os caminhos
para que os leitores voltassem tornou-se urgente e, tal como em todos os
momentos de desespero, as ideias começaram a brotar das fontes mais
insuspeitas. Uma delas resultou numa nova linha de super-heróis chamada Ultimate Universe. A premissa era que
conhecidos personagens da Marvel, Homem-Aranha, Vingadores, X-Men, Quarteto Fantástico,
iniciavam a sua carreira apenas neste princípio do século XXI sem, portanto,
todo o peso de História que os do seu universo congénere possuíam.
Passados já 13 anos depois desta criação, estes
personagens não só ganharam um pouco mais de histórias como os respectivos
caminhos divergiram fortemente dos equivalentes no universo regular da Marvel. Uma das maiores modificações (spoiler alert para quem quiser ter o
prazer de ler as histórias deste universo Ultimate)
foi que Peter Parker, o muito conhecido
Homem-Aranha, faleceu em batalha,
tendo sido substituído por Miles Morales,
um muito jovem descendente de Afro-Americanos e Latino-Americanos.
Brian
Michael Bendis foi o único escritor de Ultimate
Homem-Aranha nos seus 13 anos de vida e também um dos responsáveis pela
morte de Peter Parker e pelo
aparecimento de Miles Morales. Os
dois volumes de que aqui falamos são os mais recentes contributos do autor para
a mitologia do novo Homem-Aranha. Enquanto
Bendis se encarrega das palavras, no
lado dos desenhos temos a italiana Sara
Pichelli (co-criadora de Miles
Morales) em Spider-Men e David Marquez em Ultimate Comics Spider-Man vol. 3.
O primeiro (Spider-Men) representa um
marco importante nestas coisas da BD: relata o primeiro encontro entre o Homem-Aranha do universo original
(aquele que existe desde a década de 60) e Miles
Morales. Ainda que a história possua momentos emocionais particularmente
tocantes, principalmente para aqueles que acompanham o Homem-Aranha quase desde o seu início, sofre de um problema de
excesso de descompressão, uma técnica narrativa adorada por Bendis e que consiste em esticar ao
máximo todos os momentos da narrativa. Segundos transformam-se em várias
páginas de história. Ainda que seja um modo de contar que eu aprecie até bastante
e que Bendis tem explorado
eficazmente ao longo destes anos, aqui achei particularmente exagerado. As 116
páginas que compõe o volume vão-se num ápice. Apesar disso, temos uma história
de ressonância emocional forte, onde presenciamos o encontro entre dois
fortíssimos e carismáticos personagens, que Bendis,
com a sua incrível capacidade para escrever diálogos, explora muito bem. Existem
momentos particularmente recompensadores e não são aqueles das obrigatórias
batalhas contra os super-vilões. Como é apanágio deste autor são os mais
pessoais os que emprestam a gravidade necessária à história.
Ultimate Comics Spider-Man é
o melhor destes dois volumes. Por um lado completa a primeira grande história
de Miles Morales em que tem que se
confrontar com o seu tio, num típico problema de todos os que envergam o nome Homem-Aranha, o eterno conflito
entre dever e os laços familiares e de
amizade. Por outro, envolve-se num conflito nacional que envolve os Vingadores deste universo Ultimate, enquanto estes tentam salvar a
América de um grupo terrorista composto por cidadãos cessionários da união dos
Estados Unidos. Ainda que a início entrasse nesta segunda história com receio
de a não conseguir acompanhar (já que o relato principal ocorre numa revista
que não leio), depressa esses medos esvaíram-se. Bendis consegue nos fornecer toda a informação necessária acerca
deste conflito para que acompanhemos sem soluços a pequena odisseia de Morales pelo palco de guerra. E temos o prazer de ver
o amadurecimento de um personagem robusto, bem estruturado, rico e emocionalmente
tocante. Miles Morales é um digno
herdeiro do nome Homem-Aranha. O
escritor consegue transformar uma história que não é sua num novo passo na
evolução do personagem, tudo complementado pelos desenhos do excelente David Marquez, cuja amplitude no retrato
de emoções e momentos pessoais o tornam na escolha certa para o Ultimate Comics Spider-Man.
Mesmo depois de 13 anos ininterruptos a
escrever o Homem-Aranha, Bendis continua com uma inacreditável vitalidade,
talvez por neste universo Ultimate poder
livremente fazer e desfazer dos seu personagens como bem entende. Ou então
porque, pura e simplesmente, é um rapaz com bastante talento.
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