Esta é daquelas BDs que custam a engolir por muito purista e por muito intelectual da nona arte: a JLA (Liga da Justiça) de Grant Morrison e de Howard Porter (este último com algumas ajudas pelo caminho). Primeiro, são super-heróis a serem super-heróis. Personagens coloridas de um das mais perenes arquétipos da cultura pop moderna. Segundo, é um (aparente) produto dos excessos da década de 90, esse período tão mal fadado dos comics. No que a mim diz respeito, é uma das melhores sequências de histórias alguma vez escritas para super-heróis, feita sem travões, apenas com a velocidade excessiva do macro-cósmico, da fantasia impossível. Esta é daquelas BDs que, de vez em quando, volto a ler para absorver o delírio colorido dos desenhos e das palavras estudadas e milimétricas de Morrison - de preferência em original, desculpem os tradutores, porque elas são deliciosas.


Quando "escolhem" o vosso herói favorito preferem os que fazem justiça pelas próprias mãos, os vigilantes, ou preferem os que inspiram bondade, os que dão a mão quando tropeçamos? Estas duas perguntas não têm truques. Podem escolher ou uma ou outra. Podem mesmo achar que as perguntas não são estas. Até podem decidir escolher as duas - o que, do ponto de vista da consistência moral, talvez seja questionável. No que a mim diz respeito, tenho preferência pelos segundos. 

Os heróis que se regem por princípios morais elevados são considerados uni-dimensionais, aborrecidos. Para muitos, não interessa ler ou ver aqueles que aparentam não possuir falhas. O meu segredo está em ter a certeza que apenas aparentam ser assim e que tentam todos os dias ser a imagem que lhe construíram à volta. Não por eles. Pelos outros. Para que a Humanidade não caia. Não faço mais do que parafrasear um diálogo do Super-Homem no fim da primeira história desta que é uma das minhas BDs favoritas de sempre.

A Liga da Justiça é a equipa de super-heróis por excelência. Nela estão reunidos os maiores arquétipos da mitologia: Super-Homem; Mulher-Maravilha; Batman; Flash; Lanterna Verde; Aquaman; Caçador de Marte. Contudo, em 1997 (sim, já passaram 23 anos), esta assembleia olímpica há décadas que não se reunia sob o mesmo título. Por esta ou por aquela razão, a DC Comics tinha escolhido outras combinações de personagens para as várias iterações da Liga. Grant Morrison decidiu pôr um fim a essa dieta e sonhou grande. Iria (literalmente) brincar com os maiores, melhores e mais conhecidos brinquedos da sala de jogos da editora. Assim nasceu JLA (acrónimo para Justice League of America). Seguir-se-iam algumas das (para mim) mais inesquecíveis histórias com este emblemático panteão de semi-deuses, alienígenas, deuses-morcego, velocistas. Em cada aventura, a escala de ameaça subia a um nível que era, julgávamos nós, pobres mortais, intransponível.  Eram Marcianos Brancos, eram cientistas loucos com o poder de criar corpos e cérebros artificiais tão perfeitos que simulavam vida, eram anjos (os verdadeiros, os que expulsaram-nos do paraíso) e eram vilões cujas drogas expandiam a mente para lá dos limites do universo. Tudo isto apenas nos primeiros números.

Mas desenganem-se os que acham a minha admiração pelo trabalho de Morrison e Porter pouco mais que deslumbramento ao ver representadas em papel as aventuras de tão ilustre reunião de personagens. O enredo é operático, rápido, como se tudo se passasse no espaço de três segundos e as decisões fossem relógios loucamente oleados (leiam o fim do terceiro capítulo e a transição para o quarto).  Os inimigos não vivem no cinzento da ambiguidade moral, são profundamente negros e tenebrosos. As frases são tão citáveis que torna-se ridículo enumerá-las todas. As "aventuras", os "contos", são ao mesmo tempo entretenimento deliciosamente pop e reflexões sobre a natureza do herói (achavam que o primeiro parágrafo deste post era só meu?).

Tenho a perfeita noção de que o trabalho de Morrison e Porter na JLA é insular, que é necessário gostar de super-heróis em geral e dos da DC em particular. Contudo, se eu não posso, nestas minhas escolhas, falar daquilo que, verdadeiramente, me dá prazer, então falo onde?

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