Antes da Mulher-Maravilha, houve um outro momento que marcou a minha vida como leitor de BD: a Crise nas Terras Infinitas da DC Comics. Li esta saga, pela primeira vez, como muitos leitores portugueses, nas páginas das revistas em formatinho da Editora Abril, e ela foi especial por várias razões, a principal das quais, para mim, a do germinar do amor preferencial que ainda tenho pela editora que a publicou. Não era a primeira vez que lia DC, mas, até aí, era um ávido fã da Marvel, e já conhecia relativamente bem o universo desta. Com a Crise conheci, em toda a sua magnitude, os muitos universos da DC (o multiverso), e apaixonei-me por todas aquelas personagens desconhecidas, que nasciam do maravilhoso desenho de George Pérez e da escrita de Marv Wolfman.

Quem conhece bem estas coisas da BD dos EUA sabe o que é a Crise. Para os que não sabem, passo a explicar. Foi uma forma da DC atrair novos leitores (como eu, à altura), simplificando a cosmogonia, a mitologia e as histórias das suas personagens, muitas das quais começavam agora do zero, apesar de existirem, à altura, há 50 anos. Foi o caso do Super-Homem e da Mulher-Maravilha, por exemplo. Há quem afirme que a DC marvelizou muitas das suas personagens e, ainda que ache ser uma simplificação do que aconteceu, em alguns casos não estava longe da verdade (por exemplo, novamente o Super-Homem). Ao mesmo tempo, procurou, e aí sim diferente da Marvel, uma abordagem mais adulta nas histórias. 

Mas adianto-me, porque isto foi o que se seguiu à Crise, que era, primeiro que tudo, uma divertida e emocionante história que tinha tudo para atrair os olhos e o maravilhamento do puto que eu era na altura. Era uma saga, que se estendeu durante 12 números, onde um mal de proporções cósmicas destruía universos inteiros e ameaçava aqueles onde os principais heróis da DC habitavam. Foi aqui que as múltiplas versões do Super-Homem, da Mulher-Maravilha, do Batman, uniam esforços e forças por uma última vez. Era uma celebração das cinco décadas da inacreditável mitologia da DC, com a Terra Activa, a Terra Paralela, a Terra-S, etc., a verem a sua existência posta em causa, num desespero que era tocante. Sentíamos que mesmo o mais poderoso dos super-heróis estava indefeso contra o inexorável e temível avanço da entropia final. Marv Wolfman frisou isso mesmo nas primeiras páginas da história, quando as versões maléficas da Liga da Justiça, habitantes da Terra-3, morriam sem oferecer resistência. Ficava claro que ninguém estava a salvo, porque ninguém era invulnerável o suficiente. E neste terror da morte iminente, personagens que achávamos deuses eram humanizados de forma clara. Não era só a aventura cósmica. Era o lado humano e vulnerável dos heróis.

Como adolescente, fui espectador de um universo que desconhecia. Quem eram aqueles heróis coloridos que se multiplicavam nas páginas? Que histórias estavam por detrás das suas vidas? Kamandi? Besouro Azul? Arion? Não sabia quem eram mais de 80% das personagens, mas fascinavam-me. A imaginação atropelava-se. A leitura era de olhos maravilhados. Até hoje, com todos os defeitos que tem, continua a ser um momento alto da BD, no que a mim diz respeito. Para isso, sem dúvida que contribuiu o desenho meticuloso e expressivo de George Pérez, o único artista capaz desta inacreditável tarefa. Sem ele, a Crise não seria, Wolfman me desculpe, o que acabou por ser. É nos seus ombros que caem os cenários titânicos de caos e as expressões de amor e de desespero. Se a história e enredo são de Marv, a emoção e a escala é partilhada com Pérez. Um dos épicos da BD.

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