Thor Ragnarok de Taika Waititi

O que faz um filme dos estúdios da Marvel? São sempre de entretenimento puro e pop. Diversão a rodos. Complexidade moral no mínimo essencial. Personagens divertidos e com conflito interno q.b., o suficiente para que o enredo avance. Imagens claras e límpidas, bem iluminadas, de cores primais suaves e primaveris. E, claro, carradas de humor. Tudo cozinhado para saírem do forno umas duas horas de puro prazer quase, quase acerebral. Nada de mal com isso e este terceiro filme protagonizado pelo Thor de Chris Hemsworth é exactamente o produto dessa receita. Provavelmente estamos a falar do filme mais divertido e humorístico desta já longa série de longas-metragens dos estúdios da Marvel. Esse é o maior forte de Thor Ragnarok.

Do princípio ao fim, somos bombardeados por sketch de humor atrás de sketch de humor, com Chris Hemsworth a ser ele mesmo, um divertido surfista que veste a pele dos Deus do Trovão. O Loki de Tom Hiddleston é também ele um companheiro de pândega, o conflito entre os dois irmãos, tal como "shakespearianamente" explorado no primeiro desta série, agora um conjunto de oneliners e de momentos de humor dignos dos Three Stooges. Mesmo o aparecimento do Hulk acaba por descambar no buddy-movie, fazendo bom aproveitamento da parceria e conflito iniciados no primeiro filme dos Vingadores.  

Os vilões, a Hela de Cate Blanchett, o Surtur, o Grandmaster de Jeff Goldblum e o Executor de Karl Urban, cortejam ou assumem de forma descarada este lado leve e humorístico que parece ser a assinatura do realizador neozelandês, Taika Waititi, que chega a fazer a voz de uma das mais divertidas personagens do filme. Cate consegue fazer uma Hela tenebrosa mas, uma vez mais, incorre no problema dos vilões da Marvel: pouca complexidade. Goldblum é mais divertido e interessante como Grandmaster. Karl Urban é dos poucos a quem é dado algum (mas pouco) conflito emocional com que trabalhar (à semelhança do que foi feito com a personagem na BD, especificamente a escrita por Walt Simonson). 

Vou vos contar um segredo. Se ao lerem o que está acima não conseguem perceber o que eu acho do filme é porque o fiz de propósito. Até aqui não quis condicionar  a sua leitura ou sujeitar-vos a um lado menos favorável da minha opinião. Tudo o que escrevi pode ser entendido como um elogio ou uma crítica. Um paradoxo que representa o que senti. Foram duas horas divertidas mas este podia ser um filme do Thor como um episódio do Seinfeld (mas com piadas muito menos complexas). Cheguei a falar do primeiro, o de Kenneth Brannagh, e essa alusão não é despropositada. O conflito emocional entre Thor, Loki e Odin é aqui pouco mais que barulho de fundo e preparação para as piadas . O cliffhanger do segundo filme é resolvido em duas penadas, para dar espaço ao enredo de Hela e ao do mundo onde o Thor encontra o Hulk e a Valquíria (esta uma das mais interessantes personagens deste filme). O que parecia ser um plano desde o primeiro filme é descartado para dar lugar ao humor e ao deboche. Uma vez mais, nada de mal com isso, mas este não é o Thor do primeiro filme e muito menos o Thor da BD. Este é Chris Hemsworth a ser aquilo que é no mundo real: um surfista australiano, super porreiraço e pronto para a galhofa. 

Um dos mais interessantes aspectos de Thor Ragnarok é a homenagem, muito mais que merecida, a Jack Kirby, um dos mais importantes criadores do Thor na BD. Foi ele quem criou a escala cósmica e divina ao universo do Deus do Trovão. O seu maravilhoso estilo de desenho, nos décors e nas personagens, está presente, principalmente no mundo onde Thor encontra o Hulk. Nem que seja só por isso já este filme vale a pena ser visto pelos fãs da 9.ª Arte.

Thor Ragnarok é, provavelmente, o mais divertido dos filmes da Marvel. Cheio de humor, do primeiro ao último momento. Resta é saber se isso faz um filme do Thor. Pelo menos um da Marvel é sem duvidas. 

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