O Biopic é uma constante desde que existe cinema. A Paixão de Joana D'Arc de Carl Dreyer não deixa de ser a visita ao martírio de uma mulher em prol de uma visão, filosofia e mensagem, neste caso e sempre, quando falamos de Cinema, do realizador. Mas este tipo de filmes, talvez até mais do que em outros, depende muito da relação entre o autor do filme e quem foi escolhido como actor. A este último é pedido omnipresença. Muitas vezes a câmara entra pelos olhos adentro do protagonista e dele espera retirar toda a âncora emocional que prende o filme à realidade. Ocorre uma espécie de simbiose entre realizador e actor que pode ser maior que a soma das partes. Nem sempre assim acontece. O Biopic, por vezes, rende-se demasiado ao actor. Este, e geralmente por esta altura do ano, a do Óscar, procura um veículo que lhe entregue o galardão. Esta visão de túnel quase sempre não nos trás um filme interessante, ficando este refém da proeza do actor e o Cinema, como sabemos, é muito mais que isso. É um golpe de asa e uma genialidade intangível que resulta de uma colaboração entre uma equipa gigante. Felizmente, Jackie de Pablo Larraín, com Natalie Portman como protagonista, pertence a esta categoria. Não tenham dúvidas quanto ao que quero dizer: este é um dos filmes do ano.
Portman veste o personagem histórico de forma plena, copiando maneirismos e voz numa entrega emocional que, uma vez mais e depois de Black Swan, a classifica como uma das grandes actrizes do momento (uma menina que começou no brilhante Léon, O Profissional). Durante todo o filme ela tem de sobreviver ao enredo fortemente emocional e à câmara claustrofóbica de Larraín que, em momento algum, a larga. Essa perseguição é tanto mais enfatizada quanto Portman, na maioria dos planos do filme, está colocada ao centro do enquadramento. Esta técnica é, ao mesmo tempo, uma lembrança de quem é o tema mas, e principalmente, faz-nos acreditar numa mulher encurralada, presa ao olhar do mundo e dos pares, alguém a quem a liberdade do sofrimento privado não é possível, alguém de quem queremos saber, em pormenor, todos os segundos da vida. Poucas vezes Larraín liberta Jackie: uma quando decide focar-se no jornalista que conduz a entrevista, o fio condutor da narrativa; outra quando a protagonista conversa com um padre. Esta arriscada forma de contar uma história é apenas possível quando todos os intervenientes estão no topo da sua capacidade, quando todos os elementos, que também incluem cinematografia, guarda-roupa, etc., conjugam-se na perfeição. E isso é o caso deste brilhante Jackie.
A história não é sobre a vida de Jackie Kennedy mas antes foca-se nos dias que se seguem ao assassinato do seu marido, John Fitzgerald Kennedy, Presidente dos EUA, em 1963. A força do evento convida a caminhos fáceis mas Larraín e Portman não os escolhem. Este é um filme que opta pelo paradoxal de agarrar-se, como voyeur, ao sofrimento e reacção de uma mulher a este acontecimento catastrófico, mas também de distanciar-se emocionalmente. Em boa verdade, não é isso que fazemos quando queremos saber da vida pessoal dos famosos? E Jackie Kennedy é bem provável que tenha sido dos primeiros famosos neste mundo novo da câmara e da imagem em directo.
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