Toni Erdmann de Maren Ade vinha com prestigiadas credenciais e elevadas recomendações. As revistas Sight & Sound e Cahiers du Cinéma elegeram-no como o melhor filme de 2016. Para quem liga a essas coisas (e no caso da primeira revista, eu ligo) esta era uma recomendação que não podia ser relegada para segundo plano. Mais ou menos como a minha expectativa altamente exacerbada em relação aos filmes Wonder Woman e Justice League. Por mais que a cabeça diga "contém o entusiasmo" todas as restante partes do corpo não o conseguem. Estava particularmente expectante em relação a este Toni Erdmann. Parte deve-se também ao hedonismo, à busca de prazer em algo que se espera, numa mistura de saudade e de novidade: um prato que prova; um livro que se lê; uma música que se ouve; um filme que se vê; uma companhia familiar. Mas divago.
Toni Erdmann é a história de um pai e de uma filha. Ele, separado, professor, sempre com uma piada ou brincadeira debaixo do braço pronta a disparar. Ela altamente profissional, fria, eficaz, sacrificando tempo e amor em prol do sucesso no emprego. O pai não reconhece a sua pequena "esparguetinha", como a chama, naquela pessoa e tentará salvá-la de si mesma, recorrendo para tal a um alter-ego, Toni Erdmann. O enredo parece tirado de inúmeras comédias dos EUA, leves e descomprometidas, feel-good movies inconsequentes a não ser para passar uma bela tarde de Domingo - e não há nada de mal com isso. Mas Maren Ade, a realizadora, transforma-o em algo poderoso e, acima de tudo, relevante. É verdade que o pai é um brincalhão, um Joker cheio de intenção mas sem particular talento (a realizadora não quis que o pai parecesse profissional na forma como fazia as suas piadas nem que tivesse particular piada). Essa dimensão transforma o enredo em algo mais humano e credível e, portanto, a "viagem" acontece perto de todos nós, sem o distanciamento simpático que as comédias dos EUA criam. Ou seja, a lição do pai adquire o peso correcto, sem morais. Também como na realidade, a lição é apreendida, mas apenas na medida em que a filha o deseja. Parece existir um compromisso mais do que uma lição, e aí reside o peso desta mesma. O clímax do filme chega numa festa que só vista para crer-se, uma sequência forte e corajosa que encerra em si mesma a intenção e gravidade da história.
Desenganem-se, contudo, que a dimensão do filme fica-se apenas (e já seria suficiente) na urgência de "aproveitar melhor o tempo que temos". Maren Ade escolhe também, de forma discreta, endereçar o estado da União Europeia, da necessidade que exibe em regular os modos dos vários países que a ela aderem. Essa sequência é um dos momentos altos do filme e recuso-me a dizer sequer qual é para que a possam descobrir e ver se concordam comigo.
Por estas várias dimensões, Toni Erdmann é, sem dúvida, um grande filme. Uma grande história construída nos pormenores e até mesmo num certo hermetismo. Aliás, se existe algum defeito a apontar, esse reside nesse mesmo hermetismo. Cada segundo contribui para uma verdade maior, dita de forma discreta, certo, mas, aos olhos atentos, clara. A Sight & Sound e o Cahiers du Cinéma acertaram? Para eles, sim. Para mim? Não interessa. E vocês? Vão vê-lo?
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