O que vou lendo! Espero Chegar em Breve de Nunsky

Nunsky, português, regressou recentemente de uma sabática para voltar a produzir BD para a Chili com Carne, estando a passar por um feliz momento de desenfreada produção artística. Em 2015, deu-nos uma das melhores obras da 9.ª Arte desse ano, Erzsébet, bem como Najda - Ninfeta Virgem do Inferno, que demonstravam, para quem não o conhecia (como eu), uma amplitude de registo louvável. Em 2016, parece querer continuar e, desta vez, tenta a adaptação de um conto de Philip K. Dick, conhecido, reconhecido e muito adaptado autor de Ficção Científica dos EUA, designadamente a obra de título original I hope I shall arrive soon.

Espero Chegar em Breve é a história de Victor Kemmings e de como desperta, erradamente, de um sonho criogénico enquanto viaja para um planeta onde espera reiniciar a vida - junto com uma maior comunidade. Para que possa sobreviver aos 10 anos em que terá de permanecer fora do sono salvador, a Inteligência Artificial (IA) que gere a nave e o suporte de vida tenta ocupar a passagem de tempo com recordações agradáveis da vida de Victor. Contudo, a psique do protagonista insiste em desvios na narrativa agradável ao, de forma recorrente e paranóica, continuar a regressar a traumas e manias também elas existentes no passado.  A IA procura, repetidamente, corrigir o percurso do delírio mas sem grande sucesso, ao ponto do desespero (hilariante) do computador. A obra é uma deliciosa inversão da IA perseguidora, trocando os papéis: quem inflige o terror é o protagonista a si mesmo.  Philip K. Dick demonstra, uma vez mais, que as suas narrativas de Ficção são muito mais que uma colecção de tecnologias e seres extra-terrestres, procurado discorrer filosoficamente, psicologicamente, sobre o ser humano e as suas deficiências. A sua intemporalidade e transversalidade são perfeitamente justificadas neste conto.

Nunsky demonstra, uma vez mais, a sua qualidade, ao adaptar-se ao estilo e exigências da história, com uma cuidada estruturação da narrativa e uma adaptação de estilo. Nos momentos em que isso é exigido, o autor dança entre a sombra e a luz, num equilíbrio que já o caracterizava na adaptação da depravação de Erzsébet Bathóry. Numa obra onde as emoções são o mais importante, Nunsky consegue veiculá-las de forma clara, recorrendo à simplicidade de contornos e ao minimalismo de expressão. A palavra, usada de forma ampla, não é, contudo, redundante. Os diálogos são necessários onde o são e a expressão viva dos personagens serve como complemento ou como o elemento mais importante daquele momento da narrativa. O conto é partido de forma clara, conseguindo discorrer por todos os momentos de evolução da narrativa de forma eloquente. 

Este autor português consegue a proeza de justificar o seu regresso, insistindo em ser um dos melhores a trabalhar na 9.ª Arte. 

2 comentários:

MMMNNNRRRG disse...

obrigado pela resenha - boas observações!
pequena gralha, a edição é da MMMNNNRRRG... e o livro é de 2116, felizmente temos cá em casa uma máquina do tempo que permite trazer livros do futuro (só livros, humanos ou outros objectos não)...
bom ano novo
M

SAM disse...

Obrigado pelo comentário e vocês não têm de agradecer nada porque o livro é bom e merece ser observado.

Da próxima tenho mais atenção à data. ;-)