A minha ida deste ano ao maravilhoso festival de BD de Angoulême colheu vários e diferentes frutos. A semana passada falei-vos do excepcional La Maison Aux Insects do japonês Kazuo Umezo e nesta fico-me por, geograficamente, mais perto: ZAï ZAï ZAï ZAï de Fabcaro. Não conhecia o autor de parte alguma mas tinha passado os olhos por uma lista das melhores obras da 9.ª Arte em 2015 feita pelo Le Monde e esta, entre outras, estava nas contempladas. Ao passar por uma banca da tenda dedicada à BD alternativa em Angoulême deparei-me com o livro (o nome era fácil de lembrar) e decide tentar. Que sorte isso ter acontecido.
O estilo de escrita é uma combinação hilária de surrealismo e sátira, partindo de um pressuposto perfeitamente absurdo mas credível dentro das regras do universo criado por Fabcaro: um autor de BD dirige-se a uma grande superfície comercial ao estilo El Corte Inglês e, no momento de pagar a conta, percebe que esqueceu-se do cartão de fidelização do espaço. Imediatamente é identificado pelas autoridades como um elemento insalubre e sujeito a uma perseguição encetada pela polícia, pelos agentes dos media, em suma, por toda uma sociedade horrorizada com o "acto hediondo". Em nenhum momento Fabcaro desvia-se de uma análise profundamente satírica desta sociedade de uma "terra alternativa", com regras e leis desconhecidas, certo, mas ao mesmo tempo profundamente verdadeiras.
Após esta introdução ao "motor da narrativa", seguem-se numerosos sketchs de uma ou duas páginas que focam, alternadamente, a fuga do protagonista e os diferentes intervenientes da sociedade civil que desempenham um papel nesta deliciosa comédia. Ninguém escapa ao bisturi venenoso, nem o prórpio autor ou a arte que escolheu para contar esta história. Todas as personagens são vitimas de um ridículo contagioso que nunca perde de vista a hilária critica aos costumes do mundo moderno mas também intemporal. Mesmo o final, que poderia não encontrar bom chão face à promessa de genialidade desenhada pela narrativa, é entregue de forma excepcional e, novamente, absurda.
Querem ler um Processo de Kafka com sentido de humor e movido pela sátira humorística então ZAï ZAï ZAï ZAï de Fabcaro é para vocês. Para mim foi uma revelação e uma das BD's deste ano.
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