O que vou lendo! La Maison aux Insectes de Kazuo Umezo


Cunho um termo: terror do impossível. Existe um espaço entre a realidade e o ininteligível, um não-local de desconhecido significado e, por isso, atemorizante. Como se o que se desenrola à nossa frente, ao mesmo tempo existisse e não existisse no campo do explicável. Um tempo e um espaço de leis da física que sabemos serem impossíveis mas que (mesmo assim) acontecem. Uma faca sangrar para o tecto é uma impossibilidade. Uma mulher dar à luz a uma cabeça é demente. Mas acontecem de forma real e verdadeira. Apesar de parecerem saídos do impossível, os maiores terrores advêm do facto de sabermos que são reais. Com as tais leis próprias. É neste tênue corporizar de um fantasma da realidade que a vemos, por breves instantes, tal como ela é. Esta é a diferença entre o terror que apenas nos "diverte" e um outro mais profundo, porque descortina temores primais. Não são necessários monstros disformes, grotescas criaturas de massa bolorenta que copulam nos nossos sonhos. Basta um casal que se odeia de forma intangível ou que se ama em plenitude. Bastam esses casais e uma leve incursão do inimaginável que sublinha o ódio e o amor. 

Kazuo Umezo é um dos mestres do Mangá de horror mas aconchegá-lo nesse nicho é um pecado. Isto se tivermos em conta este brilhante, comovente e atemorizante La Maison des Insectes. O que escrevi no parágrafo acima tenta encapsular de forma falha e incompleta o brilhantismo da escrita e do desenho deste mestre. Muitas dessas sensações bóiam na superfície do inteligível, pequenas bolhas e pérolas que fogem se não nos concentramos em agarrá-las. Mas estão lá. Sublinhadas.

O terror de Umezo não é o da criatura ou do suspense, da espera, do horror e do desmembramento. Não é do sangue. É pior que tudo isso. É o terror do pessoal, do tão profundo e perene quanto a alma. Cada conto deste volume (e, graças a deus, são vários) fala de relações: entre casais, na maior parte. Sobre caminhos que podem ser tomados ou evitados, como linhas de destino. Sobre a infidelidade (dos homens), um tema negro que paira sobre cada linha de escrita e de desenho das diferentes histórias. A fantasia do horror, ou melhor, a irrealidade do horror, existe e de forma clara mas nunca como o elemento principal, apenas como forma de levar a moral, se ela existe, a bom porto. Sem dúvida, uma das grandes, grandes, grandes BD's que tive a sorte de ler em 2016. Imperdível!

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