O prazer absoluto de uma obra de arte - Quartier Lointain de Jirô Taniguchi

Não acontece muitas vezes. Alguém sentir-se de tal forma tocado por um livro que lê ou por um filme que vê ou por uma comida que saboreia, que a palavra "obra-prima" aparece a correr pelos lábios. Isto mesmo sem ter acabado o livro ou o filme ou ter engolido o pedaço de comida. Aconteceu-me enquanto folheava Quartier Lointain, um livro de tal forma arrebatador (no que a mim diz respeito) que dificilmente pude conter o entusiasmo. De tal forma que fiz algo que raramente faço: demorei mais tempo a lê-lo, como se quisesse reter-me naquele mundo, como se quisesse que as palavras e o desenho fossem absorvidos com calma e degustação, para que nenhum sentido oculto pudesse escapar-me. 

Acredito que a minha recente viagem ao Japão muito terá contribuído para a leitura deste livro. Acreditem que esta ida para tão longe transformou alguma coisa em mim. Contudo, se não quiserem acreditar nestas revoluções de meia vida, acreditem apenas que estive numa cultura verdadeiramente diferente da nossa portuguesa e da nossa ocidental. Obviamente que de forma alguma é necessário ir ao Japão para ler e adorar este Quartier Lointain. Longe de mim dizê-lo. Falo apenas da minha experiência. Em terras nipónicas existe uma calma e um silêncio que apenas pode ser absorvido lá estando. Tudo aparenta demorar o seu tempo (claro que não é assim mas falo de sensações). A obra de Taniguchi não podia ser outra coisa que não japonesa. Não existem demonstrações grandiloqüentes e barulhentas de eventos e emoções. As coisas acontecem mas com um sussurro, de forma serena.

A força desta obra (de cujo enredo não vou revelar nem uma linha porque tive a sorte que acontecesse assim comigo) é que ela parece existir numa terra onde encontram-se desejos cumpridos e uma viagem para a maturidade, o que acaba por construir um livro ao mesmo tempo cativante e profundamente revelador. Talvez seja a idade onde me encontro mas Quartier Lointain parece talhado para esta minha fase da vida. Uma elegia da juventude que cada vez se estende mais nos anos e um elogio à vida adulta. Isto contado com a sensibilidade de um exímio contador de histórias que, não por acaso, é japonês.

Como disse no primeiro parágrafo, isto não acontece muitas vezes: encontrar algo que, para nós, é uma obra-prima. Aconteceu-me com o Sandman de Gaiman, com o Blankets de Thompson, com o Homem-Aranha das duplas Wein/Andru e Lee/Ditko, com a Diana de Pérez. Depois de tantos e tantos anos a ler BD voltou a acontecer. Que absoluta maravilha. 

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