Shakespeare é repetidamente considerado como um dos maiores, se não mesmo o maior, de todos os dramaturgos (Tolstoy não é um dentre eles, se querem saber). As suas peças de teatro, naturalmente, já foram adaptadas e readaptadas para a 7.ª Arte. Umas com os textos originais completos (Hamlet de Branagh), outras com eles incompletos (Romeo + Juliet de Lurhmann), outras ainda esquecendo o texto do "bardo" mas permanecendo com o enredo (10 Coisas que Odeio em Ti como adaptação do The Taming of the Shrew). Este MacBeth de Justin Kurzel fica-se na segunda categoria e a grande atração reside nos actores que interpretam as duas mais importantes personagens da peça: Michael Fassbender como o protagonista titular e Marion Cotillard como Lady MacBeth, um dos mais emblemáticos personagens femininos da História da Literatura.
Fassbender, aos poucos, transforma-se num actor que ombreia com os melhores - e aqui falo do recente e maravilhoso Daniel Day-Lewis. Quem o viu em Steve Jobs, Hunger ou Shame já sabia do que era capaz e MacBeth, como tantas outras das excelentes personagens de Shakespeare, é um caminho obrigatório para qualquer actor que fale a língua deste dramaturgo. O magnetismo (como alguém meu conhecido chama) do actor é verdadeiramente incontornável mas ele é também muito mais que isso. Fassbender é capaz de transfigurar-se e afundar-se no personagem. Como o faz neste texto superior. Por seu lado, Cotillard ou é um erro de casting ou a interpretação que o realizador faz do personagem não é particularmente feliz. Lady MacBeth sempre a li como um personagem quase que irrepreensivelmente mau. Claro que não sou estudioso do autor da peça, mas apesar de existir uma espécie de redenção nos seus últimos momentos, até lá ela é uma resoluta e sangüínea sede de poder, a força motriz por detrás do marido moralmente dividido. Cotillard está numa nebulosa terra de ninguém que não ajuda em nada o personagem e a ela própria. O que é uma enorme pena já que a francesa já provou mais do que uma vez a sua qualidade como actriz.
A realização não oferece rasgos extraordinários mas é segura na mão e opta, aqui e ali, por opções estéticas que divertem e agarram o espectador menos habituado à poesia de Shakespeare que, sendo maravilhosa, pode ser, para muitos, densa. Em suma, um filme que, apesar das falhas, não deixa de ser um digno acrescento ao panteão das adaptações shakespearianas.
3 comentários:
Eu ainda não vi o filme, mas li a peça recentemente e a minha interpretação da Lady Macbeth parece estar mais próxima da desse realizador, pois não a vejo sempre como a sanguinária que nos apresentam no início. Ao longo da peça a sua consciência vai conquistando terreno e um exemplo disso, bem antes do final é quando Macbeth menciona a morte de Banquo e ela mostra que não apoia essa linha de acção. No fundo o casal começa a peça em posições morais diferentes e ao longo da mesma vão mudando e trocando. No final é Macbeth o sanguinário e a sua mulher aquela cuja consciência a atormenta. Mas a mudança não ocorre só no final, vai acontecendo ao longo da peça.
Eu acho a Lady Macbeth muito mais rica e complexa do que sendo simplesmente a sanguinária. É também interessante ver os paralelismos entre o casal nos seus próprios solilóquios, os quais reforçam aquilo que disse em cima.
Esqueci-me de referir antes que também não sou nenhum estudioso de Shakespeare, mas li uma edição com boas notas e comentários que abordavam este assunto. De qualquer das formas as peças do bardo costumam ter alguma ambiguidade, diferentes pessoas vão ter diferentes interpretações e isso é muito interessante. É também normal que realizadores ou encenadores optem por seguir por um determinado caminho. Na peça, acho que nunca é dada a certeza da Lady Macbeth ter sido mãe e neste filme, já sei que é algo confirmado no início.
Obrigado pelos comentários deliciosos e pela informação.
Sim, o realizador opta por ligar um filho perdido dos Macbeth à desgraça que ele inflige na família do seu maior concorrente. E em como a Lady Macbeth revê nos filhos mortos do outro o seu. Mesmo assim, não só acho que a Marion não é uma escolha particularmente interessante para a Lady Macbeth como preferia, nos primeiros momentos da peça, uma versão mais venenosa, sanguinária. O que tornava o arrependimento (que, como dizes, existe na peça) mais relevante.
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