Realizadores como Jarmush não são
como os outros. Quando abordam uma história ou tema fazem-no de forma sua. Este
filme é sobre vampiros mas não só. Podia ser de outra coisa qualquer? Não.
Jarmush sublinha que os seus protagonistas são, de facto, as famosas criaturas
da noite que, recentemente, têm ressurgido no imaginário cultural ocidental. Contudo,
coloca pormenores tão diferentes dos de um qualquer outro filme de vampiros que
o transfigura para lá do estereótipo. Neil Jordan também o fez com o seu muito
bom Byzantium (leiam sobre ele aqui) mas,
porque estamos a falar de dois homens tão diferentes, falamos também de dois
filmes completamente díspares.
Os dois vampiros principais, os amantes
do título, são a maravilhosa Tilda Swinton e o sublime Tom Hiddleston (o Loki nos filmes do Thor), que interpretam à letra dois seres imortais, anciões, diferentes
como o dia e a noite mas que amam-se no arrastar dos séculos. No início do
filme, ela está em Tanger e ele em Detroit, ela numa cidade antiga e
vibrante, ele numa recente e decrépita (não se esqueçam que a cidade
estado-unidense declarou falência). Enquanto ela abraça a vida fabulosa que a imortalidade
permite, ele encarna o típico vampiro, gótico, enamorado consigo e com a morte,
artista consumado capaz de fazer belíssimas músicas mas que corteja permanentemente
o aborrecimento, o ennui (aconselhou
alguns dos maiores músicos da humanidade e foi autor de algumas das suas obras).
Ela, por seu lado, é também uma leitora voraz, tendo desenvolvido um dos melhores
poderes de sempre, a capacidade de ler a velocidades estonteantes. Rodeia-se de
livros, antigos e novos, coleciona saber enciclopédico mas cheio de experiência,
pois viu a maior parte dos eventos dos quais muitos de nós apenas lê. Basta-lhe
tocar qualquer objeto para saber a sua proveniência e a sua data. É apaixonada
pelo mundo, pelos seus contornos, pelas suas histórias. Nisso são semelhantes.
Ambos sabem séculos de conhecimento, mas enquanto ele é mais direcionado – ama
música – ela espraia-se. Mas não são apenas virtudes. A irmã da vampira (a também
fabulosa Mia Wasikowska), considera-os pedantes, cheios de tiques elitistas. Se
calhar, tem razão. E, finalmente, temos Shakespeare
ou, pelo menos, aquele que na realidade escreveu as conhecidas peças de teatro
(interpretado por John Hurt). Estes quatro vampiros migram pela noite, aqui e
ali conseguindo alimento (quase sempre sem matar humanos), à procura de sangue
num mundo onde o precioso líquido está contaminado pelo mal que os homens
provocam em virtude da sua atividade desenfreada.
Este é, de facto, um filme de
vampiros feito por Jarmush. A genética do realizador está em cada cena, em cada
frase escrita, em cada diálogo. Mais do que isso, ele transporta para os
personagens todas as suas obsessões, opiniões, pontos de vista (um deles é o de
Shakespeare, que muitos acreditam não ser o autor das famosas obras). Jarmush
imagina como seria ele próprio viver como um ser imortal e noturno. Imagina o que
gostaria de poder fazer e o que, de facto, faria. O que, em outras mãos,
poderia ser considerado indulgente e até pedante, nas suas é quase como ver
alguém a brincar com bonecos, imaginando cenários e vidas com vibrante criação.
E, além de tudo isso, é um fabuloso realizador.
Como podem imaginar, adorei o
filme (e, já agora, tem uma fantástica banda sonora).
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