O final do ano no que respeita o cinema tem, por vezes,
destas coisas. Começam a aparecer, por aqui e por ali, muitos e bons filmes que
são impossíveis de colocar de parte. La
Vie D’Adèle é, na falta de uma melhor palavra e obviamente para mim, uma
obra-prima. Um filme que achei ser particularmente ternurento, mesmo tendo em
consideração o olho adulto com que o realizador observa e constrói a história.
História que, como muitos já sabem, baseia-se numa Banda Desenhada
franco-belga, Le Blue est une Coleur
Chaude de Julie Mahot (já escrevi um post sobre ela), e
que conta a relação amorosa entre duas mulheres, uma delas a jovem liceal indecisa
quanto à sua sexualidade, a titular Adèle,
e a outra a já experiente e afirmada Emma.
A carne e a alma da película é exatamente esta, a relação entre dois seres
humanos, não se separando, nesse respeito, de uma qualquer comédia romântica
produzida em série por Hollywood, mas
que por causa da sensibilidade francesa, em geral, e da deste extraordinário
realizador, em particular, transforma-se em algo muito superior (sim, aqui
estou mesmo a fazer julgamento de valor, desculpem). O ponto de vista centra-se
na jovem liceal, Adèle, a câmara acompanhando
os movimentos da jovem mulher de forma obstinada, intrusiva, entrando em cada
pormenor e episódio da sua vida, dos seus sentimentos, de forma omnipresente e
omnisciente. Chego a suspeitar se Abdellatif
Kechiche não teria um fraquito pela belíssima Adèle Exarchopoulos (sim, ele mudou o nome da protagonista, que na
BD chama-se Clémentine).
Existem algumas proximidades narrativas entre a BD e o
filme, mas as similaridades ficam-se mesmo por aí, porque estamos defronte de
dois bichos completamente diferentes, não só por via da forma de arte usada
para contar a história, passando pelas significativas diferenças na história, e
acabando na sensibilidade do realizador. (para não usar outros termos mais
estilo critico de cinema). Este é um filme de Abdellatif Kechiche, tanto como qualquer um dos outros que tive o
prazer de ver, como seja o para lá de divinal Le Grain et le Moulet e o também visceral Venus Noire (ainda não vi A Esquiva).
As preocupações do autor estão lá, tal como o próprio revelou na entrevista que
deu ao Ípsilon. As barreiras
socioeconómicas que tanto separam os vários seres humanos e que as telenovelas e
filmes mais “doces” procuram esperançar como sendo transponíveis, nos filmes de
Kechiche são aquilo que
impossibilitam de atingir um final feliz, entendido no sentido “conto de fada”
do termo. Essas diferenças, neste filme, revelam-se nos mais variados e banais
elementos da vida, como a comida que, uma vez mais, é elemento essencial na
visão deste realizador (já o era na incrível cena do almoço de Le Grain et le Moulet), ou na apreciação
das artes, de uma forma menos subtil. Sim, este é um filme de um amor intenso e
fortemente sexual entre estas duas mulheres, que se entregam a emoções fortes,
descontroladas, arrebatadoras e baseadas na noção delicodoce do “amor à
primeira vista”, da “pessoa destinada”. É uma história que se afasta de
narrativas telenovelescas, onde elementos exógenos ao casal conspirariam para
que eles se afastem, apenas para triunfarem no final. É uma história que não se
afirma com qualquer tipo de militância pró-homossexual. Como disse, é uma
história de amor. Mas também é (mesmo) muito mais que isso. É um filme
extraordinário e obrigatório de ver.
Antes de acabar, claro que tem de se louvar todos os
envolvidos, passando pelas enormes atrizes, pelo génio do realizador e, já
agora, pela equipe que fez a edição e montagem, porque transformar 200 horas de
filmagens em 3 horas de excelência não deve ter sido nada fácil.
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