Por muito diversificados que sejam os formatos e linguagens da Banda Desenhada, a sua função é transmitir, através das suas histórias, mensagens e sentimentos universais. Tolstoy, no seu O Que É a Arte?, acreditava que a "boa arte" (as palavras são dele e não minhas) é aquela que podia ser lida e entendida por qualquer pessoa, independentemente da geografia, condição socio-económica e cultura. O que levava o escritor russo a esta conclusão era uma linha de raciocínio ampla mas simples. Tolstoy não apreciava o elitismo e o hermetismo na arte - pelo menos nos últimos anos da sua vida. Tinha também se tornado bastante pio. Independentemente de concordarmos com o todo ou com parte do que escreveu neste ensaio, as suas palavras são poderosas e nelas reside(m) alguma(s) verdade(s): uma obra de arte é mais forte quando transmite sentimentos e mensagens que podem ser entendidos por muitos (citando um outro autor, aliás autora, que gosto, Clarice Lispector, “(...) um dos indiretos modos de entender é achar bonito.”).
Esta introdução serve para vos falar de duas obras do estilo de BD Mangá, conhecida por ser a Banda Desenhada japonesa: Chiisakobé vol. 3 e 4 de Minetarō Mochizuki e Lorsque Nous Vivions Ensemble vol. 1 de Kazuo Kamikura.
Os dois volumes da primeira concluem a história que o autor Minetarō Mochizuki ofereceu-se para contar num atípico reduzido número de capítulos (atípico para a Mangá). O enredo é um simples drama familiar, de passagem de testemunho entre gerações e da busca (muito japonesa) de honra e rectidão no comportamento do dia-a-dia. É a história de um jovem, cujos pais morrem e que vê-se obrigado a tomar conta da empresa familiar de construção civil, ao mesmo que entram na sua vida (e na sua casa) uma jovem pouco mais nova do que ele e vários órfãos abandonados e problemáticos. O que para uns poderia transformar-se numa sitcom, o autor transforma numa reflexão meditativa (perdoem o pleonasmo) de atenção aos pormenores, e sobre o respeito pelas motivações de cada um de nós. A face quase gélida e inexpressiva dos seus protagonistas não revela a turbilhão de emoções que se passa por baixo da barreira cultural e pessoal. Sim, é uma BD passada no Japão e sobre o Japão, mas as motivações e sentimentos são brutalmente universais.
Outro romance poderoso de Tolstoy é A Sonata de Kreutzer, uma opinião crua e dura sobre o relacionamento entre homens e mulheres. Lorsque Nous Vivions Ensemble parece ser o seu herdeiro espiritual. Conta-nos de uma relação entre dois jovens nos seus vinte anos, no Japão da década de 70. Acompanhamos episódios do seu dia-a-dia enquanto habituam-se à vida em comum num apartamento alugado (eles não são casados). A maioria dos capítulos centram-se no ponto de vista da jovem mulher, o que revela desde logo uma inversão de paradigma que faz lembrar os filmes de um dos maiores mestres da 7.ª Arte: Kenji Mizoguchi (também ele amante de Tolstoy). A relação entre ambos oscila entre momentos de paixão carnal e de conflito emocional aberto, uma tempestade que agiganta o oceano. Existem também episódios de ternura fugidia que muitas vezes culminam em novos confrontos verbais. Claro está que tudo parece visceralmente familiar e próximo, como todas as grandes obras de arte deveriam ser - ou pelo menos para aqueles que concordam com a opinião de Tolstoy.
Duas obras sobre um mesmo tema, o relacionamento entre homens e mulheres, com perspectivas bastante diferentes, vindas de um mesmo país. Ambas poderosas e, claro, universais.
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