Existem livros que devoramos e existem aqueles que nos devoram. E, claro, existem aqueles que são estas duas coisas ao mesmo tempo. Como se se tratasse de uma estranha forma de simbiose. Como se as palavras que entram pela retina sejam mais que frases e parágrafos e capítulos. Elas são estranhas e familiares verdades. Desejos há muito desejados. Lemos aquelas palavras entrelaçadas com voracidade e velocidade. O ar que respiramos é apenas uma forma de vivermos para acabar aquela leitura. Para quem não é religioso é o mais perto de deus que podemos estar. E O Que É A Arte? do maravilhoso Tolstoy fala muito de deus.
Quem apenas conhece este autor pelo nome não sabe o que perde. Como dizia Italo Calvino "um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer". Assim são os livros de Tolstoy. Pensamos que os conhecemos mas quando os lemos descobrimos que os conhecemos, sim, mas também que não fazíamos a mínima ideia de como eram na realidade. Li recentemente Ana Karenina e passei para A Sonata de Kreutzer e A Morte de Ivan Iliitch. Cada um era melhor que o outro, num ciclo deliciosamente viciante e vicioso. Quando, nas minhas passeatas por livrarias e títulos de livros, vi um que se chamava O Que É A Arte?, era escrito por este homem que depressa tornou-se num dos meus artistas favoritos, tinha de o ter e tinha de o ler. Devorei-o em dois dias. Existem nele palavras que concordo tanto quanto concordo que estou vivo. Existem outras que passam-me ao lado. Outras com as quais discordo tal como discordo de quaisquer preconceitos. Mas é impossível não sentir-me tocado ou identificado com o que nele está escrito do principio ao fim.
Raramente a força das palavras é justiçada. Apenas o é em quem delas sabe fazer uso e com elas sabe explanar as mais simples e claras ideias. Tolstoy era uma dessas pessoas. Este livro fala do que faz Arte, segundo o autor, Arte. Do que faz a Vida ser Vida. Do que faz a Humanidade ser Humanidade. Das suas virtudes e dos seus pecados. Dos seus desejos. Das suas esperanças. É filosofia, sim. Mas é tão mais do que isso. É Uma Verdade. A dele que também pode ser a nossa. Nem que seja nos momentos em que somos devorados pelas palavras.
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