É difícil construir um blockbuster pessoal mas existem realizadores que o conseguem. Christopher Nolan é um deles - ainda que este seu último, Dunkirk, deixasse algo a desejar. Michael Bay não possui tanto um toque pessoal mas uma inflexão para imagens e movimentos que são muito seus - e já apelidados de Bayhem. Edgar Wright faz parte do grupo do primeiro realizador e, quer gostemos ou não, Baby Driver está a ser um sucesso.
Um filme favorito pessoal foi feito por Wright, Scott Pilgrim, cheio de energia cinética que não só espelhava a BD mas também as intenções do realizador. Contudo, reconheço que dos seus anteriores filmes mais nenhum conseguiu despertar o meu interesse para lá de uma recordação agradável (Shaun of the Dead, Hot Fuzz, The World's End). Felizmente, Baby Driver faz parte do mesmo grupo de Scott Pilgrim.
O conteúdo de Baby Driver é banal. Um jovem casal apaixonado. Um grupo de assaltantes sempre em processo de executar o próximo golpe. O jovem protagonista, mestre em condução, capaz de fugas vertiginosas in extremis, com uma característica peculiar: devido a um acidente quando criança, ouve constantemente um zumbido que é apenas apaziguado pelos headphones sempre ligados e a ouvir música do seu iPod. É nesta última premissa e no aproveitamento que Wright faz da mesma que o filme consegue toda a alma e originalidade. Os primeiros dois terços de Baby Driver não são tanto sobre as capacidades automobilísticas de Baby (o nome do protagonista) mas sobre o amor da personagem e do realizador por música. Um e outro deliciam-se na sincronicidade do movimento (um com o mundo, o outro com a narrativa), na banda-sonorização da vida. O que aparece por necessidade transforma-se na essência do filme e da obra. Movimentos de câmara e personagens, momentos -chave, são orquestrados de forma perfeita, umas vezes discreta, outras declaradamente, ao sabor e bater da música. Cada canção é escolhida com o cuidado de artesão preocupado com a excelência do produto final.
O ambiente lembra uma actualização dos décors e vestuários da década de 50, com o protagonista a emular versões jovens dos heróis dessa época. O cabelo. Os óculos. A simplicidade da t-shirt branca evoca Marlon Brando ou James Dean. A jovem namorada, empregada num diner de estrada é também um lembrete dessa época - como é sublinhado por alguma cenas a preto e branco. Existe cuidado com o legado do imaginário cinematográfico, que Wright agarra e faz seu.
Testamento à qualidade deste realizador é o rol de excelentes actores que dão a cara por trabalho "secundário": Kevin Spacey; Jon Hamm; Jamie Fox. A todos é dada carne para mastigar e todos fazem o melhor que sabem (excepto por Bella Thorne que, infelizmente, pouco mais é dado para fazer do que ser eye-candy e interesse amoroso).
É apenas no terceiro acto, o da resolução, que a narrativa falha, invertendo para uma normalidade que nada tem a ver com os dois anteriores. O filme inflecte para uma mera perseguição e luta que oferece pouca originalidade e, pior, diálogos minimalistas. Wright tenta fazer algo épico mas falha ao comparar-se consigo mesmo. Ainda assim, não é suficiente para apagar os dois terços que o precederam e Baby Driver é um dos mais gratificantes filmes da silly season.
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