(este artigo contem spoilers)
O escritor da BD Salto, Mark Bellido, quis abandonar a vida solarenga do sul de Espanha para ser guarda-costas de autarcas do País Basco ameaçados de morte pela ETA. O objectivo era conseguir ter uma vida cheia de aventuras e eventos fora do normal e, assim, poder ser escritor. O que Paterson de Jim Jarmush conta é a história de como, tal como Bellido deveria ter sabido desde o primeiro momento, não é necessária nenhuma vida excepcional para se ser um escritor fora do comum. Basta um olhar diferente para o mundo ou, pura e simplesmente, observá-lo e ouvi-lo com atenção. E descobrir onde se esconde a poesia.
Paterson é um motorista de autocarro que vive na cidade de Paterson, Nova Jérsia, EUA. Vive com uma artista que se multiplica a fazer cupcakes, a tocar guitarra, a cozinhar e a decorar a casa com diferentes padrões de preto e branco. Mas Paterson é mais uma coisa: ele é poeta. Daqueles que se contentam em rabiscar no seu caderno, a caneta de feltro, sequências de palavras, a transformar pensamentos em poemas. A vida deste motorista de autocarro não é extraordinária. Acorda todos os dias da semana à mesma hora, beija a mulher que ama, dirige-se para o depósito de autocarros, conduz durante horas, regressa a casa, passeia o cão e bebe uma cerveja. Todos os dias. Sem excepção. Qualquer mudança na sua rotina não é recebida com particular entusiasmo. Na repetição dos seus dias há conforto. Contudo, do meio da normalidade nasce a excepção, um homem para quem as palavras são fáceis e a poesia um modo de vida.
O novo filme de Jarmush é feliz no não-acontecimento. Vive cada banalidade, cada conversa trivial, como se um evento cósmico se tratasse. Isso porque o vemos sempre na perspectiva de um homem atento e excepcional. Calmo, reservado, respeitador, educado, ele observa, sem esforço, tudo à sua volta e encontra as palavras que descrevem o seu universo. Não há sobranceria. Apenas o desejo impoluto de escrever sem querer sequer que se saiba da sua existência. No bar que visita todos os fins de dia para a sua cerveja, o barman insiste em coleccionar recortes de jornal com figuras ilustres nascidas em Paterson ou eventos dignos de nota. O protagonista não procura fama, apenas a simplicidade e a felicidade do dia-a-dia.
Paterson é um filme antítese aos nossos dias. Num mundo ligado e interligado (Paterson não tem smartphone) todos procuramos ser indivíduos no palco global (tal como eu ao escrever neste blog), quando basta olhar para o lado na cama, beijar quem amamos e conduzir um simples autocarro. Esta simplicidade é o mantra do filme e não é por acaso que, no final, aparece um japonês para aconselhar o protagonista. Nesse país que se esforça pela pureza das palavras e pela adoração de tudo o que é simples, o convidado só poderia vir daí.
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