O que vou lendo! La Femme Serpent de Kazuo Umezo

La Femme Serpent é o terceiro livro do histórico mangaka Kazuo Umezo editado pela Lézard Noir. Antecedeu-lhe La Maison aux Insectes e Le Voeu Maudit, obras dentro da mesma linha a que o autor habituou os leitores: o Terror. Umezo é um lendário autor nipónico de Mangá, as suas obras tendo marcado uma ampla geração de leitores com tenebrosos e retorcidos contos, ao ponto das introduções destas três edições francesas serem escritas por romancistas, editores de Mangá e realizadores de Cinema japoneses. Parece não existir escapatória (em mais sentidos do que um) às infâncias marcadas pelas histórias do autor, cada um dos "introdutores" sentindo necessidade de relatar as emoções violentas e os sonhos roubados por Umezo. Ou melhor, os pesadelos gerados.

Os ocidentais tiveram o seu primeiro grande contacto com o terror de marca japonesa em filmes como Ring  e Ju-On, leituras de vingança e de apropriação de espaços familiares para extrapolar cenários de horror verdadeiramente atemorizante. Neste filmes estamos perante figuras que, de alguma forma, haviam feito parte do reino dos mortais mas que, por alguma razão sobrenatural, assombravam agora o mundo dos vivos. Um envolvia uma mulher de longos cabelos negros que materializava-se numa cassete de VHS que passava de mão em mão. Outro era a figura de um rapazinho que assombrava numa casa aconchegadoramente suburbana.

La Femme Serpent é um pouco como Ring, em que o "monstro" é uma mulher, também ela de longos cabelos negros e hábito japonês, mas que, ao contrário deste, habita o mundo dos vivos. O nome, Mulher-Serpente, indica claramente do que se trata, e este é, ao contrário dos dois primeiros volumes da Lezard Noir, um único conto de cerca de 300 páginas que envolve a titular personagem e a perseguição que enceta a jovens raparigas pré-adolescentes. O monstro já havia aparecido em Le Voeu Maudit, mas aqui assume protagonismo e destaque. Nesta obra, o autor escolhe cingir-se a personagens femininos, focando, uma vez mais, o terreno das relações filiais entre personagens. Esta mania de Umezo, ao evocar, no caso de La Femme Serpent, a relação entre mães e filhas, avós e netas, coloca-nos imediatamente num terreno justificadamente assustador. Ao escolher as roupagens da segurança, neste caso a da família, o mangaka coloca-nos numa posição de desconforto, o que contribuiu para  a intensificação das situações de horror, mesmo daquelas que poderiam ser, à partida, apenas para entretenimento. Como diz Hitomi Kanehara na introdução, Umezo entretém e atemoriza em igual medida. 

O desenho, o estilo de desconstrução da história, a mise en scéne, contribuem para contos atmosféricos de Terror que, apesar do meio, o da BD, não diminui o impacto das sombras que o autor procura construir. Do lado da história Umezo também se excede, construindo camadas e acabando onde começou, entrando de forma decidida em alguns dos cânones do Horror: nada acaba; não existe escapatória possível; as forças do Mal serão incansáveis na perseguição; não existe lugar seguro, nem na família, nem em casa, nem no Tempo.

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