O que vou lendo! A Casa de Paco Roca



Acredito que, apesar das nossas diferenças, existe um iberismo que nos une aos castelhanos, catalães, andaluzes, galegos. Um sentimento transversal, um estar, ser e sentir que aproxima todos os que estão nesta península depositada para cá dos Pirenéus. Obviamente que não existe nenhuma novidade no que penso. Fernando Pessoa falava de um "grupo civilizacional Ibérico". Teixeira de Pascoaes era defensor de um "Iberismo espiritual, que solicita um entendimento e uma acção espiritual comum". É-me impossível olhar para o filme Volver de Pedro Almodóvar e não sentir proximidade com as idosas que limpam os túmulos dos falecidos maridos, com a mulher interpretada por Penélope Cruz a lavar facas enquanto o realizador aponta a câmara, de cima, para o abastado decote da actriz. Os espanhóis como um todo poderão ser mais alegres, ter uma movida mais colorida e vivida, mas há proximidades, físicas e culturais, que nos unem.

Nestes dois últimos anos, graças à editora Levoir e ao jornal O Público, os portugueses têm tido a sorte de contactar com a muito rica 9.ª Arte das terras aqui do nosso lado. Tive o prazer de ler Rugas e O Inverno do Desenhador mas, ainda assim, esperava por algo deste autor valenciano que me tocasse de forma mais profunda e perene (talvez necessite de mais uns anos para chegar a Rugas). Eis que surge A Casa publicada no contexto da colecção Novela Gráfica da Levoir. A simplicidade do título alude à simplicidade do tema mas de forma alguma o tratamento que Roca faz da história, do enredo e dos personagens partilha dessa singeleza. Três filhos reúnem-se à volta de uma casa de veraneio do pai, falecido recentemente, de modo a perceber o que fazer com a mesma. Enquanto procedem a pequenas alterações e conservações, a memória vagueia pelo passado e pelo relacionamento de cada com o progenitor. A autobiografia não está longe desta A Casa mas Roca não nos assoberba com essa intenção, antes deixa a sua sensibilidade cinematográfica e a suas tendências para longos silêncios  ganharem a atenção do leitor. Mas o que mais chama a atenção é a incrível familiaridade das situações e cenários, as cores quentes de amarelo a sugerir os dias ensolarados de qualquer ponto do nosso país, a viva recordação das manias dos pais e dos confrontos entre os filhos, a quentura da proximidade das relações, o convívio ao ar livre. Entramos n'A Casa e partilhamos  dos segundos de confrontos e anos de recordações. Roca, inclusive, decide deitar o livro, parecendo um monólito rectangular que alude à forma de, sim, uma casa, e os quadradinhos funcionam como janelas, permitindo a partilha do interior. É, ao mesmo tempo, um ecrã de TV e uma janela da casa ao lado e nós somos bisbilhoteiros da vida alheia. É a quarta parede do palco do teatro que não está bem lá, quase que não existe.

A Casa de Paco Roca é um obra descomplicada na forma, emotiva no tema e familiar na geografia. Um livro que é, a nós, portugueses, muito próximo. E viva o Iberismo.

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