Será que existem histórias que só conseguem ser apreciadas num único tipo de Arte? Alan Moore, por exemplo, acha que sim. O famoso e opinativo escritor de Banda Desenhada é bastante vocal a respeito disso. Para Moore, os Watchmen ou V de Vingança foram feitos para serem lidos em formato de BD e não para qualquer outro meio. Por isso, recusou que o seu nome fosse mencionado no genérico dos filmes e não recebeu qualquer recompensa financeira pelo mesmos. Não sei se Moore tem razão (gostei dos dois filmes e das duas obras, apesar de serem algo muito diferente) mas que existem conceitos e narrativas que parecem melhor talhadas para certas formas de expressão artística disso tenho poucas dúvidas. Por exemplo, quando li a deliciosa descrição do processo de decisão neurótico e deprimido de Anna Karenina antes do seu suicídio tive a certeza que aquele momento fazia todo o sentido ali (claro que o talento de Tolstoy a isso também ajudou). Mais tarde, o filme mais recente a adaptar este gigantesco romance ficou, infelizmente, a universos de distância.
Sex Criminals de Matt Fraction e Chip Zdarsky é um desses produtos que parecem nascer para crescer na Banda Desenhada (muito também como Saga de Vaughan e Staples). A premissa é tão deliciosamente ridícula que apenas a idiossincrasia dos autores e da narrativa da BD poderiam carregá-la. Existe um mundo onde certas pessoas têm a capacidade de parar o tempo quando atingem o orgasmo. Sim, leram bem. Posso imaginar os autores perdidos em stream of consciousness e, num momento de epifania, debitar esta ideia para fora. Quem é que se lembra disso? Mais, como é que transforma-se este conceito numa narrativa coerente, interessante e entretida? A resposta está no trabalho de Fraction e Zdarsky em Sex Criminals (cujo primeiro volume saiu pela editora Devir em Portugal).
A história cresce em enredo para lá deste conceito, entrando, primeiro, na obrigatória história de amor e depois segue para o casal que decide-se por uma vida de crime assim que descobrem as potencialidades do seu poder (aliás, como não poderia deixar de ser tendo em consideração o título da obra). Após estas desventuras amoroso-criminais, o mundo dos que têm-o-poder-de-parar-o-tempo-assim-que-têm-um-orgasmo permite-se crescer e começar a explorar outros com as mesmas habilidades, organizações obscuras que agem no limite da ditadura policial, entre outras deliciosas evoluções. Quando se vêem cansados do vai e vem de exposições e narrativas estrambólicas, Fraction e Zdarsky chegam a invadir a sua própria história, quebrar a quarta parede, e falam com o leitor, muitas vezes ridicularizando-se a si mesmos. Isto num misto da stream of consciousness de que falei e de improviso enfadado.
Esta obra não só parece particularmente talhada para ser de BD como é um produto perfeito da personalidade de Fraction e Zdarsky que estão como peixe na água num mundo sexualmente estranho e deliciosamente excitante.
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