MOTELx 2016 - Psycho Raman, February e Cannibal Holocaust




E ao quarto dia o MOTELx 2016 entrou em velocidade de cruzeiro. Depois de um segundo com um momento duvidoso e de um terceiro muito bom, eis que aparece o quarto com três filmes certeiros. A jornada começa com Psycho Raman (ou Raman Raghav 2.0) do realizador indiano Anurag Kashyap. Não tanto um filme de terror mas antes um serial killer flick com laivos de Infernal Affairs, passado no labiríntico enigma que são as ruas de Mumbai, cidade fetiche do realizador (como disseram na apresentação, com uma obsessão e reverência similar à de Scorcese por Nova Iorque).  Duas histórias entrecruzam-se, a de um assassino em série baseado num muito real da década de 60 e a de um polícia corrupto e viciado. É também a história de almas gémeas, mas não da forma que se esperaria. Tal como no realizador nova-iorquino, a cidade é uma outra personagem, as ruas que serpenteiam ladeadas de pobreza e miséria, as pessoas que sobrevivem afuniladas em espaços em que a privacidade é uma ilusão. A crueza dos actos do assassino passam-se à vista de todos. Ele próprio confessa com orgulho os crimes e os pormenores tenebrosos a transeuntes aleatórios. A única sensação que sentem é a do medo egoísta, a da necessidade de sobrevivência. Sabem que as autoridades nada farão para prender de forma eficiente este monstro. Estamos muito longe da moralidade e da civilização policiada. E o mais cruel é que tudo é relatado com normalidade, como mundo consumado e aceite. Este seria um filme obrigatório estrear nas salas de cinema.

Outro que adoraria ver nas salas é este February do realizador estreante Osgood, um filme de terror com uma premissa convencional mas com um execução fabulosa. Não revelarei quase nada do enredo porque (eu sei que sou repetitivo neste assunto) adoro que possam vir a ter a mesma sensação que tive ao vê-lo. Estamos numa escola católica para meninas, duas ficam aí retidas no período de férias à espera da vinda dos respectivos pais. Atmosférico, este filme sugere mais do que responde, exigindo que queiramos voltar a vê-lo para descortinar o que realmente se passou. A paisagem gelada do inverno é omnipresente, as linhas minimalistas do colégio são uma continuação do hotel de The Shining (que talvez emule). A cinematografia, com planos simples e belos, iluminação fria, matizes azuis, é um dos pontos mais fortes deste brilhante filme. As jovens actrizes, todas entregam-se de forma poderosa e constrangedora (no óptimo sentido). Definitivamente, um realizador a observar com muita atenção - tal como David Robert Mitchell de It Follows.

O dia acabou de forma intensa, com a minha estreia (sim, é um pecado) em Cannibal Holocaust, que contou no Tivoli com a presença do realizador, Ruggero Deodato. Com certeza que muito pouco posso acrescentar a este filme de 36 anos, uma obra verdadeiramente inqualificável. Passado tanto tempo, continua a provocar emoções e sensações desconcertantes, um filme que perpetua a polémica em que foi criado e a forma como foi criado.  De tudo o que se passa nele, a questão do canibalismo é a menos chocante. Deixo ao vosso julgamento o que será (se tiverem coragem para o ver) mas, a julgar pela inflamada reacção de algumas pessoas na audiência no Q&A que se seguiu, ninguém pode ficar indiferente ao mesmo. Será este o filme mais chocante da História do Cinema? Provavelmente não, mas está no top. Fora toda  a polémica é um filme cinematograficamente interessante, com uma narrativa surpreendente que não se cinge a ser um mero exemplo de gore. Existe uma óbvia metáfora sobre a natureza e o nosso papel nela enquanto Humanidade. É um filme que tenha vontade de ver outra vez? Decididamente não, mas pelo menos satisfiz a curiosidade e ainda bem que o não vi em casa. É na sala de cinema e com a presença do realizador que deve ser apreciado. Obrigado MOTELx.

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