Xavier Dolan é um homem estranho. Mais ou menos a meio do ano vi Tom à la Ferme e não gostei (tanto que nem sequer dediquei-lhe um post). Apesar desse amargo de boca, depois de ler e ouvir tantos elogios acerca deste Mamã decidi dar-lhe uma nova oportunidade - bem vistas as coisas, Dolan ainda não é, para mim, o Lars Van Trier, porque esse já me esgotou a paciência. Ainda bem que o fiz, porque o novo filme do realizador canadiano é um dos grandes deste ano que agora acaba. Portanto... bela maneira de colocar um ponto final no cinema de 2014.
Não valerá a pena dedicar mais do que meia dúzia de linhas à genial opção de reduzir o ecrã a um quadrado. A início achei tratar-se apenas de uma aproximação do olhar aos personagens, afastando o espectador de uma visão mais "épica", mais distanciada. Lembrei-me, por exemplo, do que os escritores da sublime série de TV, The Wire, disseram quando souberam que a mesma iria ser passada para um formato 16:9, mais próximo do das actuais televisões. Não concordavam com a mudança por afastar a imagem do propósito com que haviam feito todas as cinco temporadas. O original 4:3 trazia a acção para a realidade. Achei que o mesmo se passava com Mamã mas não é apenas isso (deixo aos espectadores virgens o prazer de descobrirem mais com o filme - além de que já dediquei bem mais que meia dúzia de linhas a este assunto).
O argumento é enganadoramente simples. Começa por estipular o enredo como uma espécie de ficção científica, ao passar a acção para o futuro muito próximo do Canadá de 2015. Depois escolhe focar a titular mamã e o relacionamento com o seu problemático filho. Nada mais intemporal até nos começarmos a aperceber de pequenos vincos. Ou até entrar na narrativa uma fabulosa terceira personagem, outra mãe, que oferece um poderoso contra-peso à dupla inicial. As camadas que Dolan vai sobrepondo são apenas aparentemente triviais. No final constituem um todo que, não dando todas as repostas de bandeja, abre espaço para a interpretação.
Raramente se vê uma simbiose tão forte entre realizador, história e actores. Este Mamã é um caso em que isso acontece. Não existem limites ou fronteiras na contribuição de cada um para a criação desse objecto tão difícil que é um filme que ultrapassa a convenção do que é apenas bom e entra, forte, no campo da obra-prima. Aparentemente não existe esforço na construção desta peça de arte mas tenho a certeza que não foi esse o caso (Dolan irrita do alto dos seus 25 anos - como é possível existir já tanta sensibilidade?). O canadiano opta por uma montagem não convencional em alguns momentos do filme mas a excepcionalidade reside exactamente no inverso. Nolan emprega conhecidas ferramentas cinematográficas como a câmara lenta, o close-up, as longas sequências com apenas imagem e música (algumas até bastante conhecidas - uma é da Celine Dion), mas de uma forma tão criteriosa e apropriada que se transformam em algo muito superior. Servem a história e não o inverso. Há substância em vez de estilo.
Este é, sem dúvida, para mim, um dos grandes filmes que vi este ano.
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