O que vou lendo! – The Eye of The World – 1. º Volume de The Wheel of Time de Robert Jordan

O livro estava a ganhar pó e amarelo no papel há mais de uma década. A ganhar corpo e sabor. Para que, quando finalmente o lesse, o pudesse saborear com o vintage da idade. Isto tudo para justificar tê-lo parado na prateleira. Já o deveria ter lido. Alguém me incentivou a ler, numa daquelas conversas em que um assunto leva outro. Começou pela BD (belo lugar onde começar), invadiu o terreno do romance de Alta Fantasia, deslizou por George Martin e acabou neste Robert Jordan, percursor do primeiro.

Desde que soube o peso de toda a saga fiquei um pouco acabrunhado e achei que seria uma pesada empreitada. Catorze volumes no total. Cada um tão grande ou maior que este primeiro – cerca de 800 páginas. Ainda assim, decidido, arrisquei. E ainda bem. Divertido, empolgante e viciante são adjetivos bem apropriados. Há outros. O que vos posso dizer é que os dois próximos volumes já estão no carro de compras. Vamos ver se o entusiasmo continua e se consigo chegar ao final.

Como não poderia deixar de ser quando falamos de romances deste género literário, existem um conjunto de clichés que são sempre obrigatórios. Trata-se de um mundo parecido com o nosso, um ambiente semi-medieval, uma sombra que se aproxima, uma milenar luta entre as forças da escuridão e as da luz, um conjunto idiossincrático de pessoas que se juntam, um dentre eles o prometido Salvador. Tudo servido com decorações que variam entre línguas exóticas inventadas, criaturas fantásticas de mil e uma cores, paisagens de tirar o fôlego, civilizações tão antigas quanto o nascer do sol, etc. Em suma, tudo o que se espera encontrar neste tipo de livros desde que Tolkien os inaugurou. O que varia é sempre a forma como se cozinha e apimenta o preparado.

Robert Jordan dá-nos de tudo o que acima enumerei um pouco mas, necessariamente, de uma forma muito sua. Mistura diferentes religiões do nosso mundo para construir uma mitologia e cosmogonia que refletem o seu modo de pensar. A Roda do Mundo, um dos pilares deste mundo de fantasia, é uma mescla de budismo e mitologia grega, ao abordar os temas da ressurreição e do destino que é tecido por forças superiores alheias. Os senhores da Luz e Sombra são reflexos de um arquétipo que nos é familiar, o judaico-cristão. O enfoque num lado comunal com a natureza bebe a rituais pagãos que remontam ao druidismo. Também Tolkien construiu uma mitologia que absorvia diferentes influências, mas tal como George Martin da Guerra dos Tronos, cada qual pega numa das pontas do novelo disponível e constrói algo seu. É nessa construção que está parte do prazer da leitura. Outra fonte é sem dúvida a qualidade da narrativa e do enredo, o tipo de relação que se consegue construir para que o leitor se embrenhe com vontade nos destinos dos personagens. E, nisso, Jordan consegue com mestria.

Outro lado interessante neste romance e que surge em contraponto com o modo como Tolkien o abordou no seu Senhor dos Anéis, é o tratamento que Jordan faz das mulheres, quer como personagens, quer no seu papel no mundo fictício. Neste universo elas são omnipresentes na influência e no poder, numa alusão a outras mitologias, estas mais remotas e matriarcais, aquelas das primitivas sociedades humanas. Elas são curandeiras, místicas e símbolo de vida, com uma forte ligação à fonte de poder primordial. Por exemplo, o arquétipo Gandalf (que, por sua vez, vem de Merlin) é ocupado por uma mulher. O que, a bem ver, constitui-se como um exemplo positivo e a seguir.


Este primeiro volume, ainda que de modo algum seja revolucionário na escrita e no enredo, constitui-se como um pedaço de entretenimento bastante interessante. Para quem não sabe, infelizmente, o autor já faleceu, não tendo tido oportunidade de escrever a sua mega-saga até ao final. Contudo, quando soube da sua prevista morte, preparou o terreno todo, escreveu os últimos capítulos e entregou o resto às capazes mãos de um fã, Brandon Sanderson, que acabou o 14.º volume em 2012. Espero chegar a ele…

(PS - Para quem não tem controlo razoável da língua inglesa, será difícil acompanhar esta saga até o final. É que, em Portugal, foram publicados pela Bertrand apenas os quatro primeiros volumes da saga)

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