Colecção DC Levoir/SOL – 9.º Volume: Gavião Negro

(Prometo informar os menos conhecedores acerca da acessibilidade desta coleção de BD, ou seja, se é fácil ou não ler sem saber mais coisas)

Grau de acessibilidade: Médio para o fácil

Sai Sexta-feira, dia 24 de Janeiro, junto com jornal SOL e custa 8,9€

O personagem Hawkman (Gavião Negro, tal como os brasileiros o traduziram), faz parte daquele tipo de personagens por quem, inexplicavelmente, alguns fãs de BD têm um amor incontido, uma dedicação sem explicação. Gosto muito do Hawkman e a DC pouco jus tem feito ao potencial deste personagem, exceto na run de Geoff Johns e Rags Morales, cujos primeiros números estão incluídos neste volume. A colaboração entre estes autores durou pouco mais de dois anos, mas foi de tal forma prolífera que se revelou um dos segredos mais bem guardados, um universo reservado a apenas alguns, mesmo dentro da BD. Infelizmente, acabou cedo demais.

Tenho uma vaga ideia de qual a razão da minha atração para com este personagem e, se a memória não me falha, terá muito a ver com esta run, conjugada com a de outra seminal saga, a de James Robinson no seu impecável e inacreditavelmente recomendado Starman. Existe uma linha temática que, na minha cabeça, une os dois. Passo a explicar porquê.

O Hawkman faz parte de um tipo de super-heróis da DC a que se deu o nome de personagens-legado (não da mesma forma que Starman mas, ainda assim, similar). A sua origem remonta aos primeiros anos da década de 40, tendo sempre sido parte integrante da Sociedade da Justiça da América, o primeiro grupo de super-seres a sair na BD norte-americana. Já aqui repeti algumas vezes e, portanto, já devem estar um pouco fartos desta ladainha, mas no final da década de 50, com o ressurgimento do super-herói, também o Hawkman foi dos personagens que passaram a ter duas iterações, uma residente numa Terra Paralela onde habitavam as versões da década de 40 e uma segunda, onde se seguia as vidas das novas versões. Os dois Hawkman partilhavam o mesmo nome e as mesmas características mas a sua origem era bastante diferente. Enquanto o da Terra antiga estava ligado ao antigo Egipto, o da Terra mais recente vinha do espaço sideral, nomeadamente do planeta Thanagar, onde a polícia local se vestia da mesma forma que o herói - claramente, o zeitgest da época, ligado às viagens espaciais, à guerra fria e ao alienígenas, terá muito a ver com esta origem.

Com a já famosa Crise nas Terras Infinitas e com o colapsar de múltiplos universos em um único, o Hawkman acabou por ser dos personagens mais afetados por esta alteração significativa da continuidade do universo DC, ou melhor, o facto de esta alteração não ter sido verdadeiramente radical e reiniciar tudo do 0 acabou por prejudicar vários super-heróis, sendo este um dos mais atingidos. Qual das duas versões ficaria se o personagem tinha influenciado os dois maiores grupos de super-heróis da DC, a Liga da Justiça e a Sociedade da Justiça, que entretanto coexistiam nesta nova realidade?

Após várias tentativas, cada uma mais confusa que a outra, acabaria por ser Geoff Johns a resolver o imbróglio nas páginas desta revista e da JSA (as novas aventuras da Sociedade da Justiça). Contudo, o escritor não se limitou a deslindar o puzzle cronológico, antes decidiu agarrar na sua própria visão e na rica história do personagem e tecer um mundo em muito similar ao estabelecido por Robinson com outro personagem-legado, o já referido Starman. Johns, na senda de outros personagens da DC, cria uma cidade fictícia de nome St. Roch, em muito semelhante a Nova Orleãs, onde a sua versão de Hawkman habita, um local-reflexo da personalidade do personagem, onde a sua natureza pudesse ter asas de liberdade (trocadilho intencionado). As alterações foram, contudo, mais do que cosméticas, atacando mesmo a motivação e personalidade do personagem, fornecendo-lhe conteúdo e missão. Por detrás da versão de Geoff Johns está uma história de amor, de um par de “star-crossed lovers” cuja narrativa remonta aos idos do Antigo Egipto, onde Hawkman e a sua amada viveram como faraós até que uma invejosa traição os arrastou por variadas reencarnações ao longo de milénios. De um só toque, Johns consegue reintroduzir o personagem na mitologia da DC e explicar a sua presença na Sociedade e Liga da Justiça. Afinal, era o mesmo personagem mas reencarnado. De modo a ir explorando as vidas passadas do par amoroso, Johns cria capítulos esporádicos que exploram essa união ao longo dos milênios, uma rubrica em muito similar à de Times Past, que Robinson escrevia para Starman.

O elogio a esta saga não poderia passar ao lado do maravilhoso contributo de Rags Morales (que os leitores desta coleção viram no essencial Identity Crisis), cujo traço consegue encher os vários painéis com a força bruta e selvageria com as quais queriam impregnar o personagem – algures li que os artistas queriam que Hawkman fosse um Conan com asas (não o do desenho animado japonês mas o bárbaro dos romances de Robert E. Howard). Esta parelha criativa iria terminar cedo demais. Na minha magra opinião esta nova história de Hawkman deveria ter sido contada de forma similar à de Starman, com um princípio, meio e fim perfeitamente definidos e sempre com a mesma equipa criativa. O potencial e o talento estava todo lá. Assim, ficamos com uma promessa quando deveríamos ter tido uma obra. Foi pena…


Nota – Não partilho da opinião que tem de se saber tudo para acompanhar bem uma história. Parte da “magia” da BD americana reside na descoberta posterior, na paciente reconstrução do puzzle. Mas para aqueles que não têm tempo e paciência aqui fica este meu pequeno esforço.

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