O que vou lendo! - Boxers & Saints de Gene Luen Yang



Este díptico, escrito e desenhado pelo sino-americano Gene Luen Yang, foi considerado por sites da especialidade como umas das melhores bandas desenhadas do ano e, digo-o eu, merecidamente. Soube da existência desta BD pelo blog Ler BD (deem uma olhada por lá que vale mesmo a pena) e fiquei, posteriormente, ainda mais curioso depois de o ter folheado e reparado que o desenho e o enredo poderiam apelar aos meus sentidos de estética e gosto. Boa a hora em que o encomendei e li porque neste relato, dividido em duas partes, sobre o Levante dos Boxers, um movimento popular anticristão que ocorreu na China do final do século XIX, prevalece um sentimento de beleza e deslumbramento que nos conquista da primeira à última página, sentimento nunca prejudicado pela aparente simplicidade do desenho, uma mistura entre o cartoon e a linha clara. Através de uma construção clássica de banda desenhada, nunca se imiscuindo por terrenos mais psicadélicos ou excêntricos da construção narrativa na 9.ª Arte, o autor consegue tecer uma narrativa poderosa acerca da fé, tomando como base duas das suas iterações, uma a ancestral chinesa, outra a invasora cristã. Os dois volumes que compõem o díptico dividem-se exatamente por estes dois pontos de vista, sendo que Boxers centra-se no prisma dos apoiantes chineses da fé milenar, especificamente através do herói que originou o referido levante, e o segundo, Saints, do lado de uma rapariga chinesa apoiante da fé cristã.

Os paralelismos entre as duas narrativas não se cinge ao enredo mas, como não poderia deixar de ser, migram para o lado do significado, ou melhor, para o lado do autor das obras, que parecem querer, de alguma forma, casar os dois lados da herança cultural deste sino-americano. O melhor do realismo fantástico permeia pelos interstícios da história e não força à tomada de posição, clara e inequívoca, acerca dos verdadeiros heróis e vilões desta revolução ocorrida no mundo real. Esse “casamento” entre o facto e o fantástico não é feito de forma tendenciosa para qualquer um dos lados, mas antes para iluminar caminhos de “revelação” para o leitor, que pode retirar da narrativa a perspetiva que melhor lhe aprouver. A colagem entre estes vários mundos duplos, diferentes faces de uma mesma moeda, é conseguida de diferentes formas, umas mais óbvias, como a separação entre os dois volumes, outras mais discretas, impregnadas no(s) conto(s). Tudo realizado, desenhado e escrito com candura quase infantil (apesar de algumas das cenas serem demasiadamente gráficas para crianças, portanto, nada de os oferecer a ler a uma), que transportam os dois volumes para o reino do conto de fada, ou não estivéssemos nós a ler acerca de duas maravilhosas mitologias da humanidade em confronto num reino distante (pelo menos para nós). Uma vez mais, é também nesta deliciosa dicotomia, na escolha de uma linguagem mais “infantil” para relatar um conto “adulto”, que Boxers & Saints vence face a outras obras que tentam a mesma empreitada, o autor excedendo-se na proeza de conseguir nos transmitir uma história através do prisma do não-julgamento de valor. Uma obra essencial.

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