Vou desde já dizer: simplesmente adorei este
filme. Roman Polanski, com a sua já
avançada idade, continua a produzir obras que, não sendo transformadoras do
paradigma, exibem com destreza, beleza e sensibilidade o que o cinema tem de
divino. E, para mim, este Vénus de Vison
é mais um deles.
A narrativa é a adaptação de uma peça de
teatro homónima escrita por David Ives,
o que parece indiciar um ciclo dentro da cinematografia do realizador, já que o
seu anterior, o fabuloso Deus da
Carnificina, era também a adaptação para película de uma outra. Enquanto
este último tinha apenas quatro personagens retidos dentro de um apartamento, Vénus desprende-se ainda mais e minimiza
quer os intérpretes, quer o decór,
cingindo-se à interação entre dois personagens dentro de uma pequena sala de
teatro, ou melhor, principalmente no palco da sala de teatro. As duas figuras
são o encenador e uma atriz que lê para o papel do personagem feminino
principal da peça e a narrativa “limita-se” à interação entre estas duas
pessoas, enquanto leem o texto da referida peça e revelam-se mutuamente. Claro
que existe aqui um referencial meta-textual tão apreciado por alguns (eu,
inclusive), o da peça de teatro dentro da peça de teatro, dentro de um filme. Mas
não só o texto base é de uma maestria singular, não descurando nenhuma palavra,
cada substantivo, adjetivo e verbo a contribuir para o grosso final, como os
atores e o realizador estão no topo da sua capacidade, mostrando e esventrando
emoções, conseguindo extrair, naturalmente, sem esforço para além do da perícia
e controlo da sua arte, tudo o que se pode tirar do original, misturando-o com
a 7.ª Arte. Isto é elogio suficiente?
A narrativa, a história, o argumento (escolham
o termo que mais gostam ou arranjem outro) é, sem dúvida, um dos fortes deste
filme, começando lentamente, esgrimindo palavras entre os dois intérpretes,
cujos papéis, ao longo da peça, vão-se alternando e transformando até ao ponto
da inversão, do surrealismo e da surpresa. O que começa como uma audição para
uma peça escrita pelo personagem de Mathieu
Amalric levada a cabo por uma mulher interpretada pela sempre fabulosa Emanuelle Seigner, paulatinamente
transforma-se em algo mais poderoso, abrangente, cheio de mundo. As fronteiras
do texto extrapolam-se e invadem outros locais, deixando ao espectador, ao
leitor, ao ouvinte, a capacidade de interpretar as coisas conforme bem quer,
como qualquer boa peça de arte. Existe espaço para falar de uma pletora de
temas que passa pela modernidade vs antiguidade, perversão vs intelectualismo,
mentira vs verdade, pedantismo vs talento. E muito mais que isto! Ou nada disto
e, pura e simplesmente, poderão apreciar um realizador, dois atores e um equipe
inteira de cinema, no apogeu da sua arte a produzir uma obra excecional. Absurdamente
recomendável!
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