O que vou lendo - Unwritten: Tommy Taylor and the War of Words

Este é o 6.º volume desta impressionante série da sempre confiável editora Vertigo. Os autores, Mike Carey na escrita e Peter Gross no desenho, são colaboradores de longa data, tendo produzido uma das mais emblemáticas cooperações desta editora na série Lúcifer, que continuava a história da fabulosa interpretação que Neil Gaiman fez deste personagem na lendária série Sandman. E o nível de simbiose entre estes dois senhores nota-se em cada virar de página, em cada construção narrativa, em cada expressão dos personagens.

A história de Unwritten é tudo menos simples. Temos três personagens que emulam desavergonhadamente os protagonistas dos famosos contos do Harry Potter, com uma substancial diferença: não sabemos se realmente existem ou se são puramente ficcionais. Unwritten é uma história sobre a natureza das histórias e dos contos, de como moldam o mundo e as pessoas que as lêem, relata a entrega total a que nos sujeitamos, como se elas fossem água e sobrevivência. Fala de como a História cede ao peso das histórias, como se a primeira fosse construída pelas segundas e não o contrário (e não será essa a verdade?).
Carey e Gross vão buscar todas as ferramentas narrativas de que se lembram e de que dispõem para imprimir nos nossos olhos e na nossa leitura esta realidade ficcional (que tal este oximoro?), inserindo-nos num contexto referencial e reverencial a uma das maiores e mais antigas (se não mesmo a mais antiga) das artes - aquela de contar histórias, historietas, contos, parábolas, mitos, lendas, fantasia, em suma, mentiras mais verdadeiras que a realidade. E é esse o ponto dos autores, na minha opinião. Todos contamos histórias, todas mentiras porque subjectivas, porque acrescentamos um ponto quando contamos esse conto, porque nelas acreditamos piamente, porque são parte de nós, porque são feitas por nós. E nesse castelo de cartas construímos o nosso mundo e a nossa vida. E foi isso que aconteceu a Tommy Taylor, o personagem principal de Unwritten. Será ele a inspiração para a imaginação do pai, que escreveu 13 volumes de uma saga fantástica usando o seu nome e parecença, ou será o seu nome e, por consequência, a sua existência, que provêm da mesma saga?
Este 6.º volume responde a algumas das mais importantes questões por detrás do livro (quem são aqueles que perseguem o herói), contudo nunca alicerçando a narrativa em momentos chatos de exposição, mas preferindo o caminho do surrealismo poético. “Mostra, não contes” é a prerrogativa.

Neste volume especificamente os dois autores têm ainda a colaboração de outros desenhistas nos momentos que relatam a História e as histórias (eu sei que me repito) do cabal que quer destruir o nosso herói. E, no meio disso, revela-nos do que o mundo é verdadeiramente feito. Sim, adivinharam, é feito de palavras. Boa epifania, não?

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