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Daredevil: Devil at Bay e West-Case Scenario de Mark Waid e a série de TV Daredevil



Rai’s parta ao diabo, ou melhor, ao Demolidor, que ultimamente é difícil de ser mau. Quer seja a lê-lo ou a vê-lo. Há 15 anos consecutivos que a Marvel não consegue publicar más histórias deste personagem (OK, o esforço do escritor Andy Diggle não foi dos melhores mas, ainda assim, superior à média). Começou com a dupla Kevin Smith/Joe Quesada, continuou com o último e David Mack (que até vai ser publicado em Portugal pela Levoir na sua nova coleção), a fabulosa e muito essencial saga de Bendis/Maleev, seguidos, em catadupa, de Brubaker/Lark e Diggle (com vários desenhadores). Esta “fase” foi longa, deprimente, negra e assustadoramente boa, porque bebia da pesada e nobre herança do segundo e talvez “verdadeiro” criador do Demolidor, Frank Miller (já falo mais dele). Depois de tanta tragédia, a Marvel decide ir por um caminho diferente, entregando o personagem ao escritor Mark Waid, que tem feito um trabalho extraordinário, declamando palavras que, bem misturadas, formam alguns dos melhores contos feitos para o Homem Sem Medo. Perdeu muito do ambiente noir que caracteriza o personagem desde que Frank Miller o fez seu e bebe mais da herança super-heroística. Contudo, e aí reside a arte de Waid, sem se afastar da aura fatalista que agarra Matt Murdock desde há muito.

Waid está na recta final da saga e, tradicionalmente para este personagem e ainda bem, a Marvel tem deixado em paz os autores que lidam com o Demolidor (excepto por um leve crossover com um evento num destes dois livros). Podemos, assim, saborear e sem molhos o prato desenhado pelo escritor. O personagem é, de facto e salvo as devidas distâncias, o Batman da Marvel, em que a visão do autor consegue moldar-se em volta do personagem sem perder identidade, quase como se todos quisessem deixar a sua impressão digital, não tanto na personalidade do Homem sem Medo mas antes no seu historial. Há personagens com essa sorte, em que a continuidade não os afecta e para os quais há espaço para a individualidade. Continuem a deixar o Demolidor em paz que nós agradecemos.


Frank Miller está em todo o código genético da maravilhosa série de TV que teve o Demolidor como personagem. Consigo dizer, sem reticências, que, para o meu gosto, a 1.ª temporada de Daredevil da Netflix é o melhor filme da Marvel até o momento. Solidamente assente no universo cinematográfico que iniciou-se em 2008 com o primeiro Iron Man é, contudo, completamente diferente. Adulto, violento, complexo, moralmente ambíguo, como dizia um amigo meu da Spoiler Alert, é os Sopranos dos super-heróis. Mas mais do que isso. Esta 1.ª temporada poder-se-ia antes chamar Wilson Fisk, que os fãs reconhecem como sendo Kingpin, o vilão do Homem-Aranha que Frank Miller re-imaginou como o Némesis de Matt Murdock. Nesse sentido é os Sopranos, porque a “viagem” de Fisk é tão (ou mais) importante quanto a de Murdock.


Os fãs como eu deliciaram-se com as interpretações de D’Onofrio como Fisk, Charlie Cox como Demolidor, Deboral Ann Woll como Karen Page, Elden Henson como Foggy Nelson, Rosario Dawson como Claire Temple, a Night Nurse, e, a minha favorita, Ayelet Zurer no papel de Vanessa, a amada de Kingpin. De facto, tenho dificuldades em encontrar falhas nesta excelente série, que quase me levou às lágrimas. Desde estes maravilhosos actores ao burilado e inspirado argumento, que bebe sem reverência escusada à BD, principalmente aquela que “interessa”, a de Frank Miller, tudo é bom, cuidado. Venha a 2.ª Temporada que mal posso esperar. 

A BD será sempre a minha casa.

"Não somos nós que regressamos à nossa terra. É ela que um dia chega aos nossos corações." - O Diário do Meu Pai, Jiro Taniguchi

Daredevil volume um número 182, Frank Miller.





Rapidinhas de BD - Avengers Epic Collection 17; Daredevil by Mark Waid 7; The Unwritten: Fables

Avengers Epic Collection vol. 17: Emperor Doom por vários

Dizer que os volumes da Epic Collection da Marvel são um sonho tornado realidade é apontar para baixo. Tenho, religiosamente, estado a adquiri-los em detrimento de conta bancária e espaço nas prateleiras. Este é o segundo volume a sair dos Vingadores (e 17.º na coleção) e compila um conjunto de histórias que penso já ter lido mas, como é também sabido, isto da idade é uma coisa complicada. Portanto, foi como se os tivesse visto pela primeira vez. O volume não só inclui a derradeiro conto do lendário conjunto de histórias da dupla Roger Stern / John Buscema, datada de finais da década de 80, como também um encontro entre duas equipas de Vingadores e ainda Emperor Doom, onde o vilão Dr. Destino finalmente consegue o seu intento: obviamente conquistar o mundo. Enquanto estas duas últimas histórias têm mais o sabor de nostalgia e papel velho, ou seja, a sua qualidade deve mais à memória agradável de criança do que à complexidade da história, o final da run dos dois artistas citados é o contrário e vale, sozinha, o preço de admissão deste volume. Os Vingadores vêem-se envolvidos num confronto com os míticos deuses gregos do Olimpo, por via dos ferimentos incorridos por Hércules, filho de Zeus, na sequência de uma das mais conhecidas histórias da dupla Stern/Buscema: O Cerco da Mansão (os fãs de BD sabem do que falo e os outros têm mais é que ir descobrir porque vale mesmo a pena). Um grande volume nesta grande coleção.

Daredevil by Mark Waid vol. 7 de Mark Waid e Chris Samnee

Continua a maravilha que é este regresso do Demolidor às suas origens mais super-heroísticas e positivas, depois de anos no abismo negro da depressão (com qualidade, claro) de Bendis, Brubaker e Diggle . Obviamente que estamos a falar de positivo do ponto de vista dos super-heróis e, especificamente, do Demolidor, porque o que seria de uma boa história deste personagem sem uma grande dose de drama? Contudo, pelas habilidosas mãos e imaginação de Waid raramente o ambiente mergulha na negritude opressiva dos esforços anteriores que referi. Ainda que um dos amigos do personagem esteja a atravessar uma das mais complicadas fases da sua vida, é tudo escrito de forma leve, divertida e verdadeiramente empolgante. À festa só ajuda o traço quase cartoonesco de Samnee, contribuindo para uma atmosfera de perigo com sabor a década de 70, quando a BD dos EUA não tinha sido contaminada pelo poderoso elixir da maturidade e complexidade intelectual (não que haja nada de mal com isso, já o diria Senfeld). Este sétimo volume representa um salto quântico de qualidade face ao anterior sexto, que soube a paragem para descontração – mas não a da boa descontração. Mal posso esperar pelo oitavo já que parece que o personagem decidiu mudar de ares.

The Unwritten: Fables de Mike Carey e Peter Gross com colaboração de Bill Willingham e Mark Buckingham


E por falar em paragens para descontração, o que é que aconteceu com Unwritten neste volume? Desde que Karen Berger, a mítica chefe da editora Vertigo (pertencente à todo-poderosa DC Comics), saiu da “marca” que ajudou a criar que a qualidade tem estado também a entregar os papéis de demissão. Espero que seja, obviamente, apenas um período de adaptação aos novos ares. Primeiro que tudo, este novo volume de Unwritten representa uma enorme novidade na Vertigo: a junção de dois títulos de autores diferentes. É verdade que, anteriormente, podíamos falar de outras, como Swamp Thing, Constantine e Sandman, mas os tempos eram diferentes. Apesar de na história do personagem principal de Unwritten, Tommy Taylor, esta junção fazer algum sentido, não deixa de ter um sabor a “dêem-me cá o vosso dinheirinho”. Não que eu necessitasse de qualquer tipo de incentivo desta natureza já que acompanho os dois títulos. Segundo, e aqui é o mais importante, o esforço não sai com muita qualidade. Existem momentos verdadeiramente bons, ou não estivéssemos a falar de quatro autores do melhor que a BD tem para oferecer, mas ainda assim, na maior parte, o resultado é apressado e pouco inspirado. Qualquer um dos títulos mereceria algo mais, algo mais significativo, para justificar esta união. É pena, parece uma oportunidade perdida, ainda que fosse uma oportunidade que, provavelmente, não era necessária.

Rapidinhas de BD - The Unwritten vol. 8, Orpheus and the Underworld e Daredevil by Mark Waid vol. 6

The Unwritten vol. 8, Orpheus and the Underworld de Mike Carey e Peter Gross

Hoje tenho duas BD que estão longe de ser novas. Já aqui vos falei várias e repetidas vezes (cliquem para ler: The Unwritten; Daredevil de Mark Waid). Uma e mais vezes não vai fazer mal nenhum.

The Unwritten, da imaginação e Mike Carey e Peter Gross, publicada pela lendária editora Vertigo, é um dos momentos mais aguardados quando sei que fica disponível um novo volume a colecionar os fascículos individuais da saga. Apesar disso, o anterior, The Wound, tinha deixado um amargo de boca, ficando aquém das expectativas. O mesmo não se pode dizer deste último, cuja narrativa é mais escorreita e direta, aludindo de forma bastante direta a um dos mais emblemáticos mitos da antiguidade grega, o de Orfeu e Eurídice. Contudo, para efeito da macro-história que está a ser contada, esse mito engrena-se de forma plural na narrativa deste 8.º volume. Se, por um lado, é feita alusão à jornada aos Infernos e à tentativa de regresso, tendo por motivo o Amor entre os protagonistas, por outro lado, a história sobre as histórias, que é o âmago deste Unwritten, avança sem soluços. São, inclusive, feitos passos para a conclusão de vários enigmas e enredos que estavam suspensos desde o início da saga. Ao mesmo tempo, na última página do volume (spoilers daqui para a frente), temos o primeiro crossover entre dois livros da editora Vertigo (com Fables).

Daredevil de Mark Waid vol. 6


Mark Waid continua em excelente forma, desviando o Demolidor da matriz que o caracterizou de forma praticamente uniforme desde que Frank Miller o escreveu na década de 80. O Demolidor negro, urbano-depressivo, realista, produto do mundo onde vivia. A escrita do Demolidor de Waid aproxima-se mais do molde super-heroístico leve, por exemplo do Homem-Aranha, mas sem confundir-se com esse ícone maior da Marvel. Este Demolidor é divertido mas também tem um lado sombrio. Gosta de ser super-herói sem, contudo, estar afastado das consequências. Há pathos mas há humor também. E as histórias que o escritor escolhe são afastadas das diferentes iterações de crime e ninjas que, uma vez mais, caracterizaram o personagem nas mãos de Miller, Bendis, Brubaker e Diggle, por exemplo. Neste volume envolve-se com o Surfista Prateado na busca de criminoso intergaláctico, ao mesmo tempo que entra como advogado de defesa na batalha jurídica do homem que, na sua infância, lhe deu o epiteto de Demolidor. Um pouco de leveza é sempre necessária.

Demolidor – Ler sem medo! – parte última – The End of Days

(leiam anteriores Ler Sem Medo do Demolidor aqui)

Esta deambulação pela leitura essencial do Demolidor está longe de acabar, mas a aquisição recente deste The End of Days, que conta a última das histórias do personagem, é demasiado urgente para deixar passar.

A Marvel tem por hábito contar a derradeira história de alguns dos seus mais famosos personagens. Uma espécie de ponto final na interminável telenovela. Ao longo dos anos têm-no feito para alguns dos nomes mais conhecidos, geralmente recorrendo aos artistas mais emblemáticos que trabalharam nos mesmos. Para o Quarteto Fantástico até fizeram duas, uma escrita e desenhada por Alan Davis (na minha opinião a melhor), e uma segunda, escrita por um dos criadores, Stan Lee, e desenhada pelo não menos lendário John Romita JR. Os X-Men foram alvo de um gigantesco épico (que não li) fruto da imaginação do homem por detrás do todo o sucesso dos mutantes mais famosos do mundo, o inimitável Chris Claremont.

Chegou a vez do Demolidor, que caiu nas mãos de cinco dos seus mais importantes artistas: Brian Michael Bendis; David Mack; Klaus Janson; Bill Sienkiewicz; Alex Maleev. Infelizmente, não foi possível ter a presença do “mestre-absoluto-do-Demolidor”, Frank Miller, mas Klaus Janson, o desenhista principal de The End of Days, marcou a comparência dessa saudosa fase, já que ele colaborou com Miller. Com estes nomes será que a entrega esteve de acordo com a promessa? Na minha opinião, a resposta é um enorme sim.

Não vou, de modo algum, estragar o prazer da surpresa de folhear, desde a primeira à última página, cada novo evento cuidadosamente inserido para fazer jus à enorme história que este personagem tem construído ao longo de 5 décadas. Mas posso adiantar que todos e (principalmente) todas as suspeitas do costume fazem parte da tapeçaria. Sim, as mulheres. Aquelas que foram a mais importante constante na vida de Matt Murdock, desde a mãe até à assassina que foi o primeiro grande amor de Demolidor, Elektra Natchios. Por aqui passam, além destas duas, Natasha Romanoff, a Viúva Negra (agora bastante conhecida por ser interpretada nos filmes dos Vingadores por Scarlett Johansson), Typhoid Mary, Echo, etc. Cada qual uma peça no puzzle imenso que foi a conturbada vida do Homem sem Medo.

Também aqui estão os vilões, mas apenas os essenciais: o Kingpin; Bullseye; Gladiador; a organização secreta ninja de nome A Mão. E, finalmente, um dos seus maiores amigos, Ben Urich, o repórter do Clarim Diário incumbido de uma missão pessoal bastante importante para a história deste The End of Days.


Estamos na posse de uma novela onde os artistas dão forma a uma ode ao amor que nutrem por um personagem que tanto marcou as suas carreiras. Uma espécie de quid pro quo. O Demolidor permitiu que alguns tivessem uma carreira impressionante. Eles decidem dar-lhe um remate final apropriado, de qualidade inquestionável. Uma gigantesca obra que permite algo tão pouco comum na BD americana, algo apenas reservado a alguns personagens e a alguns autores: um fecho; um puxar de cortinas. Lidas todas as anteriores histórias do Demolidor, esta é um mais que apropriado “The End”.


Frank Miller, entre Batman e 300

Frank Miller tornou-se num dos poucos escritores/desenhistas de BD que saiu do mundo anónimo desta arte e assumiu-se no mainstream. Segura e lentamente foi construindo uma obra irrepreensível e inquestionável que edificou a actual fama e o reconhecido mérito.

Começou como muitos começam, a desenhar uma quase incógnita BD que adaptava a série de TV Twilight Zone, mas após ilustrar dois números de uma revista mensal do Homem-Aranha de 1979 o seu talento passou a ser melhor reconhecido pelos pares e pelo público (publicadas pela Levoir-Público no primeiro volume Heróis Marvel publicado em 2012). Deste personagem, Miller salta para um outro, o homem sem medo conhecido por Demolidor (Daredevil, no original), este o definitivo trampolim para a fama.

A revista homónima do personagem estava ameaçada de cancelamento e, como era habitual, foi dada carta-branca a um criador menos conhecido para fazer aquilo que bem entendesse. De início era apenas o desenhista, mas quando o escritor regular da revista a abandonou, imediatamente e sem qualquer tipo de compunção ou vergonha, Frank Miller começou uma das mais extraordinárias criações da década de 80. As suas histórias foram um dos marcos evolutivos da BD americana, ao escrever com vincada assinatura e total liberdade um personagem que ganhou vida e personalidade, inclusive superando o criador deste herói cego, o mítico Stan Lee. A relação simbiótica de Miller com o Demolidor durou vários anos e o que este autor trouxe para o personagem foram basicamente todas as suas idiossincrasias. Começou com o amor pela banda desenhada japonesa, o Mangá, e muito especialmente uma obra, Lone Wolf & Cub, o que se sentiu logo na primeira história com o aparecimento de uma antiga e esquecida paixão do personagem, uma ninja marcada pela morte extemporânea do pai. Havia a sensibilidade noir não só influenciada pelos mestres desta literatura como Philip Marlowe ou Raymond Chandler, mas também pelos representantes deste estilo na BD como o Will Eisner e a sua criação Spirit. Os homens eram duros, a cidade suja, as mulheres fatais. E o Demolidor saiu da sombra do cancelamento e passou a vigorar no átrio dos personagens mais míticos da Marvel. Frank Miller teria ainda outras oportunidades com este, agora seu, personagem, sendo a mais conhecida a extraordinária história Demolidor Renascido (recentemente publicada pela Levoir-Público) que, uma vez mais, ajudou a trazer a merecida maturidade para uma arte tantas vezes posta de lado como infanto-juvenil.


O ano de 1986 é considerado por muitos entendidos como o melhor da Banda Desenhada americana, e claro que Frank Miller esteve no meio dessa tormenta, nomeadamente com The Dark Knight Returns, o relato dos últimos anos de um Batman reformado. Miller apresentou-nos um Batman afastado há cerca de 10 anos e que, confrontado com uma cidade e sociedade anárquicas que não reconhece, decide voltar e impor a sua forma de ordem. Não existe nesta BD nenhum compromisso infanto-juvenil. O Batman de Miller é um vigilante negro, determinado e com laivos despóticos, sem complacência para filosofias new age de compreensão das razões do criminoso. Mas o autor, ao contrário do que seria de esperar, não se afastou da matriz que criou Batman, antes aproximou-se mais porque o Cavaleiro das Trevas original não era um simpático super-herói, mas um implacável justiceiro.

Com a fama conseguida com The Dark Knight Returns, Miller continuou com Batman, mas desta vez para relatar a origem definitiva do herói em Batman: Ano Um (ambas estas histórias foram publicadas pela Devir). Em apenas duas obras de quatro capítulos cada, o autor conseguia imprimir a sua visão de forma indelével em mais um personagem mítico da BD americana e, ainda que nas duas décadas que se seguiram tenha voltado a este personagem, estava agora preparado para outros voos. Segue-se a publicação independente.


O autor foi um dos criadores a transferir-se para a já na altura relevante editora independente Dark Horse, onde criaria duas das mais importantes bandas desenhadas da década de 90: Sin City e 300. Se já ouviram falar destes nomes poderão ser uma de duas coisas, fãs de BD ou de Cinema. As duas obras foram adaptadas para a 7.ª Arte pelos realizadores Robert Rodriguez (na companhia do próprio Miller e de Tarantino) e Zach Snyder, respectivamente, e tinham a característica de fiel e quase fanaticamente transferir para a película as pranchas e as palavras do autor, revelando um amor e reverência geralmente reservada ao mais renomeado dos artistas. A idolatria não era desmerecida.


Em Sin City, Miller dava asas à sua inclinação noir, já revelada em Demolidor e Batman, assumindo-a e hiperbolizando-a. Os homens eram extraordinariamente duros, a cidade caricaturalmente suja e as mulheres… ah, as mulheres… desesperadamente fatais, perigosamente curvilíneas, arrebatadoramente belas. As situações eram de limite, tão perto do abismo que o monstro que nele habitava desenhava o bafo quente das suas entranhas podres no semblante de quem para ele olhava. O fim dos protagonistas raramente era belo. A tragédia ecoava forte nas ruas esconsas de Sin City.


Finalmente, em 300, o escritor/desenhista cumpre um sonho de longa data e decide relatar a famosa Batalha das Termópilas onde, segundo alguns, o destino da civilização ocidental foi decidido por 300 soldados Espartanos liderados pelo seu Rei, Leónidas. A simplicidade do evento atraiu Miller que, determinado, partiu para a investigação in loco do momento histórico e adaptou-o numa BD que veio a revelar-se um êxito, não só de vendas como também de crítica. Como em todas as suas obras, imprimiu a sua muito particular visão em pormenores como a vestimenta dos guerreiros, a linguagem, os planos, a velocidade da narrativa, o ponto de vista dos eventos, entretecidos num todo coerente com a sua personalidade. E foi sempre isto o que o elevou um pouco acima dos pares. A voracidade com que imprimia uma visão nas obras às quais se dedicava. Só assim se constrói um verdadeiro autor.


Demolidor – Ler sem medo! – parte 4.ª

Para artigos anteriores da rubrica Ler sem Medo, cliquem neste link.

Este é o único livro que devem ler do Demolidor, isto se não tiveram tempo ou paciência para ler outro qualquer protagonizado pelo personagem. Publicado pela Levoir/Público no ano passado, é possível lê-lo em português e a um preço perfeitamente aceitável, numa edição de qualidade, não só na impressão como também na tradução – chama-se Demolidor – Renascido.
O título, ainda que perfeitamente banal, adquire, com o conteúdo da história, um significado que nos leva a crer que a escolha do mesmo não poderia ter sido outra. Este é a história de um renascimento, típico em heróis sujeitos a adversidades sobre-humanas, o conto do ressurgir das cinzas depois de testado para lá dos limites. Mas ao que poderia ser feito de forma banal são adicionadas camadas que transferem o significado para uma outra esfera, esta assumidamente religiosa, ao contextualizar o sofrimento do herói no calvário de uma figura divina (extraordinariamente) conhecida da História da humanidade. Claro que não se trata de nada de novo, mas não só é sublimemente bem escrito e desenhado como, no contexto dos super-heróis, foi considerado inovador.
Esta é a história de Matt Murdock, o nome do homem que enverga as vestes do demônio Demolidor, e do que tem de prescindir para perpetuar a sua luta. Todos os elementos do herói clássico, mas também do redentor que sofre pelos nossos pecados, estão aqui presentes, alicerçados numa figura a quem não atribuiríamos algumas das características destes dois tipos de personagens – afinal, estamos a falar de um homem que se veste de demônio. Mas é deste molde que renasce um vingador dos afastados, dos submissos, dos esquecidos. É daqui que renasce um dos mais interessantes personagens da BD americana.
Tudo graças ao engenho de um dos maiores autores desta Arte… Frank Miller. Neste volume, assume-se como o definitivo escritor dos destinos do Demolidor, aquele a quem todos os que vieram a seguir (e mesmo antes) devem ser comparados, com todas as injustiças advindas desta comparação.
Não revelei, propositadamente, quase nenhum pormenor do enredo deste livro, isto para vosso benefício. É verdade que se trata de uma história que transcende o simples “o que vai acontecer a seguir”, impregnada que está de várias camadas de complexidade narrativa e emocional, mas é sempre elegante não ser um estraga-prazeres.

O que vou lendo! - Daredevil de Mark Waid volume 4


Para ler a minha impressão sobre o anterior volume do Daredevil de Mark Waid clica aqui.

A quantidade de elogios que se podem tecer acerca desta run de Mark Waid é sempre pouca (NOTA – Para os não entendidos, run em BD significa um conjunto de histórias que um mesmo criador, seja ele escritor ou desenhista, dedica a um mesmo personagem. Também poderá existir uma run de uma mesma parelha de escritor/desenhista).

Mark Waid desligou Daredevil do lado mais negro e negativo que era já marca registada do personagem (principalmente graças a Frank Miller e Bendis) e, para isso, apenas lhe devolveu alguns dos paramentos puramente super-heroísticos, o lado divertido e solarengo do qual já se sentia a falta. Sendo este o quarto volume coleccionado da série, não é nenhuma novidade para os leitores, mas o que é verdadeiramente refrescante é Waid não perder um átomo do entusiasmo que caracteriza os seus enredos e diálogos, continuando a entregar capítulos viciantes, divertidos e cheios da sua conhecida genética. 

Waid é mestre de uma escrita muito sua e alicerçada nos cânones do super-herói, não se esquecendo do lado mais escabroso da vida deste tipo de personagem, recorrendo a reviravoltas sempre lógicas que entusiasmam o viciado (como eu), mas que não alienam o leitor casual (os escritores e editores do X-Men poderiam aprender qualquer coisa).

Este quarto volume continua o arco de história que este escritor quer para o personagem, reintroduzindo personagens e vilões há muito esquecidos ou considerados de somenos importância, reinterpretados pela sua frenética imaginação tão bem fundeada no universo Marvel. Isto é puro super-herói, sem tirar nem pôr, um frenesim de acção e fantasia que só pode agradar ao leitor já vetusto mas também àquele ainda imberbe. A ler sem medos porque é mesmo bom.

Demolidor... Ler sem medo! – parte 3.ª


Daredevil Visionnaires Frank Miller 1 a 3

Frank Miller iniciou a carreia mediática na BD americana quando tomou as rédeas do Demolidor, cuja revista encontrava-se à beira do cancelamento. Inicialmente, dedicou-se apenas aos desenhos, auxiliando Roger McKenzie, escritor, o que desde logo significou um salto quântico na qualidade visual e estética do personagem. Com Miller, Nova Iorque assume-se como um inferno noir, fumo negro a encher as alturas onde o personagem se deslocava, bares imundos povoados pela escória da cidade, enquanto no topo dos arranha-céus que desenham o horizonte da cidade viviam os abastados corruptos que a governavam. Esta era a Nova Iorque de Frank Miller, de Martin Scorcese, das décadas de 70 e 80.

Os números com McKenzie não passaram, contudo, de um aquecimento. Depressa assume as rédeas da escrita e logo no primeiro capítulo daquela que viria a ser considerada como a interpretação definitiva deste personagem, Miller introduz um conjunto de elementos que viriam a caracterizar quase toda a sua primeira contribuição para o Demolidor. Influenciado pelos Mangás e muito especificamente pela seminal obra Lone Wolf & Cub, o autor introduz nas primeiras páginas uma ninja, Elektra Natchios, o primeiro e perdido amor do personagem, uma personalidade dúbia, oscilando entre os lados negro e luminoso da moralidade, uma assassina a soldo com consciência e um passado trágico (como não poderia deixar de ser). Em apenas um capítulo, Miller introduz o lado cinzento da ética de Matt Murdock, dividido entre um amor por um personagem que ele sabe marcado pela tragédia, e o dever absoluto pela justiça, que paradoxalmente defende como Demolidor e advogado. Este dilema acabará por definir o personagem, tendo esta influência se imprimido no cerne e caracterização para o resto dos seus dias.

A atmosfera circundante ao Demolidor oscilaria entre este temas tão caros a Miller, que assume a faceta de auteur, alguém que molda um personagem ao ponto de o recriar. Foi aqui também que o escritor agarra num ridículo inimigo do Homem-Aranha, o Rei do Crime, e transforma-o ao ponto de fazer pleno jus ao seu epíteto. Mas o que o autor faz nada mais é que alicerçar o mundo do Demolidor na realidade, onde os super-vilões deixam de ser motivados por motivos ridículos e grandiloquentes mas antes pelas boas e velhas ganância, desonestidade e ânsia de poder. Nada menos e ao mesmo tempo mais revolucionário.

A história estender-se-ia por dois actos, sendo que morte violenta e inesperada de um dos principais personagens coadjuvantes acabaria por marcar o meio do caminho. Apimentando o percurso acabariam por imiscuir-se histórias até à data pouco contadas no universo dos super-heróis. Histórias de cariz social e de intervenção, como as relacionadas com corrupção política e droga em meios escolares. Mas nunca sem descurar o elemento de aventura tão caro e obrigatório a este estilo.

Os três volumes que aqui se recomenda coleccionam a totalidade desta primeira contribuição de Miller para o Demolidor, válida pela qualidade superior que lhe rendeu um papel na História da BD. Leitura essencial a todos os níveis.