Existem mundos que aguardam nos subúrbios dos outros. Pessoas que acumulam-se nas fronteiras dos locais bonitos. Que observam de longe os sítios mais visitados. Vivem na espera. Vivem na esperança de um futuro melhor. As crianças preferem não esperar um futuro melhor, porque o presente é produto da imaginação, das brincadeiras que criam nos dias de verões preguiçosos. Sem destino, vivem mais felizes. Mas a tragédia que são os seus tutores, arrasta-as, sem querer, para longe da felicidade.
Sean Baker regressa às cores garridas das ruas escondidas, das traseiras dos edifícios. Regressa aos desalinhados, aos esquecidos, aos que vivem longe da normalização. São mundos a que acedemos apenas por engano ou que vemos apenas de cima, de um alto voo com destino para outras paragens. Somos turistas que não devem ser incomodados. Eles são os que ali vivem e são forçados a ver a utopia de longe. Forçados a observarem e a serem esquecidos. Os que veem de fora, os visitantes, os tais turistas, são mais importantes que os que ali vivem. Esses são incómodos na imagem colorida de uma fantasia infantil.
Enquanto isso, os esquecidos lutam com o que podem. No desespero do último recurso, quando nenhum caminho lhes é oferecido, voltam-se para a venda do próprio corpo (faz-me lembrar o filme São Jorge de Marco Martins). Os que vivem no mundo ideal observam-nos como abutres, prontos a aproveitarem-se do desespero ou da inocência.
Este são os EUA que não aparecem nos filmes coloridos e explosivos. Este é um filme sobre os escombros do crescimento económico. Dos esquecidos desse crescimento. Visto através dos olhos e brincadeiras de crianças, observadas até à exaustão pela câmara de Sean Baker. Ele entra pela vida adentro desses pequenos e procura não esquecê-los. É impossível esquecê-los.
Um filme brilhante e que brilha. Nessa luminosidade existem todas as sombras do mundo. É um filme sobre o subúrbio da fantasia e, por isso, extraordinariamente real.
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