Isabel Greenberg não vive no nosso mundo. Vive numa terra do longínquo passado da nossa chamada Early Earth. Foi ela quem a criou, foi ela quem a habitou com múltiplas histórias. Histórias que falam de deuses de bondade e deuses egoístas, ditadores e mesquinhos. Histórias de amor redentor e de amor salvador. Histórias sobre luas que se apaixonam por humanos. Histórias sobre meninas que se escondem dos pais para poderem dançar. Histórias sobre o gelado norte e o solarengo sul. Histórias sobre histórias e como elas podem salvar um mundo.
Isabel é britânica e não o esconde. A tradição de "contador de histórias" que faz parte do DNA de alguns autores das ilhas britânicas está-lhe no sangue. Quem leu o Sandman de Neil Gaiman sabe do que falo. Da capacidade destes autores em transformar a arte de um conto que começa com o simples "Era Uma Vez...". Eles rodopiam as palavras e voltam a uma forma mais original, mais pura, da cadência das frases. Reduzem-nas ao essencial, ao pseudo-infantil, para dar-nos uma verdade e um real mais próximo do dos primeiros contos. As histórias de Isabel são contadas da forma a mais simples possível mas nisso revela-se uma artífice da palavra escrita. Consegue transmitir o complexo e o adulto através dessa simplicidade. Não vou tão longe ao ponto de dizer que os seus livros podem ser lidos por todas as idades, porque não podem. Alguns contos são recheados de sangue e vingança. Povoados por seres egoístas e vingativos. Mas são sempre, como um leit motif, histórias de amor, histórias de perseverança, de esperança e de luta.
Os dois volumes de capa dura que já foram publicados pela autora, Encyclopedia of Early Earth e The One Hundred Nights of Hero, começam como sendo histórias de amor e histórias de uma cosmogonia imaginada. Os seus heróis e heroínas devem sofrer pelo amor que têm um pelo o outro. Sofrer às mãos de deuses e de homens. Para sobreviver recorrem à sua capacidade de contar histórias, que se encadeiam, acumulam e reflectem umas às outras, como uma matrioska de espelhos. São estas histórias que preenchem de forma literal as páginas destes livros. No primeiro fala de um homem incompleto na busca da parte de si em falta. Para isso viaja pelo mundo contando histórias. No segundo, um casal de mulheres apaixonadas sobrevivem à conta de um engodo igual ao do das Mil e Uma Noites. A paixão é a base por onde Isabel começa sempre os seus relatos, mas vai mais fundo, amontoando contos em cima de contos, contadores em cima de contadores, até que estamos emaranhados no labirinto das suas palavras... mas nunca perdidos. Essa é uma das artes da autora.
A escrita e desenhos de Isabel Greenberg são enganadoramente simples. Os seus contos são sobre histórias e sobre a forma como elas moldam o mundo. Elas são tão antigas quanto a palavra e aí não existe nada de simples. Dois dos meus livros favoritos do ano.
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