Normal é bom! - It's a Good Life, If You Don't Weaken de Seth e Terra de Sonhos de Taniguchi



Escapismo é bom. A capacidade que uma obra tem em entreter-nos é uma das artes maiores. Na larga maioria das vezes, gostamos que esse entretenimento seja cheio de grandes aventuras, mundos fantásticos, acção desenfreada. É a forma que temos de viver algo diferente, mais emocionante. Mas nem todas as obras precisam de grandiloquência para que possam entreter-nos. Algumas podem ser suaves, silenciosas, meditativas e nostálgicas, mais parecidas com o nosso dia a dia do que julgamos necessário serem. As outras são boas mas, por vezes, viciantes, como uma droga alucinogénica. As que procuram ser pouco mais que o relato do mundano, descodificando-o, interpretando-o, são muitas vezes viagens ainda maiores e mais relevantes. É o caso destas pequenas vitórias da 9.ª Arte: It's a Good Life, If You Don't Weaken de Seth e Terra de Sonhos de Jiro Taniguchi.

A simplicidade é uma das maiores artes, conseguida sem esforço pela mão destes dois mestres da Banda Desenhada. Não seria a BD elevada ao patamar que merece se mais leitores conhecessem a destreza com que estes dois artistas manejam a combinação da palavra e da imagem? Falo destes mas existem tantos e tantos mais. Ambos escolhem o relato autobiográfico (ou semi) para escreverem cartas acerca das mais simples lições de vida, experiências passadas sobre o calor, a chuva ou a neve dos dias preguiçosos ou ocupados. Seth escolhe uma viagem de descoberta que empreendeu para conhecer um cartoonista obscuro do New Yorker, projetando não só a sua própria vida mas também um belíssimo elogio ao anonimato de quem vive no normal dos dias. Por detrás de um desenhista esquecido em revistas que julgam-se mais importantes do que na realidade são, esconde-se um homem difícil de conhecer mas que foi amado e viveu feliz longe do holofote. Um homem que poderia ter sido mais (?) mas que foi melhor e mais feliz (?). Na incógnita de qual é a verdade reside a verdade ela mesma. 

No mais recente volume desta extraordinária segunda leva da coleção Novela Gráfica da Levoir voltamos a ter um dos meus autores de eleição: Jiro Taniguchi (este ano entregou-me umas das obras da minha vida: Quarteirão Longínquo). Neste volume existem duas histórias: uma dedicada ao amor de um casal pelo seu cão e família de gatos; outra sobre a obsessão de um montanhista pelo Annapurna e a benção que tem de um outro tipo de felino. É impossível não ficar impressionado pela qualidade do trabalho deste autor japonês. Através do desenho e da narração dos mais simples actos da vida quotidiana, Taniguchi eleva essa normalidade não ao divino mas à da experiência completa. Ensina-nos que, no passeio com o nosso cão, no amor ao nosso gato, pode encerrar-se a plenitude de uma vida bem passada. Desenganem-se aqueles que acham que o artista entrega elevação operática ao dia a dia. Nada disso. Tudo é normal. Assustadoramente normal. E, no caso deste obra e da anterior, normal é bom.

2 comentários:

RC disse...

Adorei o livro do Seth, que tenho em comic (Pallookaville 4-9, e, já agora, os 3 comics anteriores, focados na juventude do Seth são muito interessantes) e em HC. Demorou dois anos e meio a ser publicado, fui-o acompanhando deliciado e acho que a edição em HC representa uma melhoria em termos de produção gráfica considerável. Parece que a história é ficcional. Já ando a colecionar o romance gráfico seguinte, Clyde Fans, há...19 anos, e não vejo o fim àquilo :-(

SAM disse...

Foi graças a ti que encontrei este senhor. Já deveria ter passado os olhos por ele mas foi um comentário em que disseste que o adoravas que levou-me a ler. Adorei. Sim, a D&W é do caraças.